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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Mário Pereira, o Quixote das Letras


por Fernando Evangelista*

Mário Pereira, grande contador de histórias, solitário Quixote das letras, inimigo da insensatez e da ignorância, escritor lírico e indignado, professor dos professores, amigo de São Francisco de Assis e de Ernest Hemingway, amante do Central Park e dos jardins de Florianópolis, conhecedor das coisas simples e das almas complicadas, faleceu.

Faleceu hoje pela manhã, 21 de julho, dia em que completou 73 anos, vítima de edema pulmonar. Dono de um estilo sóbrio e elegante, que não admitia gorduras, grossuras ou excessos, buscava sempre a palavra correta, a frase certeira. Como professor, Mário influenciou gerações de jornalistas. Mas isso foi depois, quando já havia caminhado pelas redações do Rio de Janeiro e do sul do país, de repórter de polícia a editor chefe.

Ele nasceu nos pampas, embora não gostasse de ser chamado de gaúcho – dizia ser porto-alegrense. Foi lá que começou no jornalismo, “quase por acaso”, naqueles anos escuros da ditadura militar. Havia concluído a faculdade de Direito, mas aquela coisa burocrática – terno, gravata e datas-vênias – não lhe dizia nada.

Foi então que encontrou, num balcão de cafezinho, Paulo Amorim, diretor do jornal Zero Hora. O convite veio em tom de intimidação: “Mário, vamos trabalhar juntos”. O jovem recém-formado tentou desconversar, tomou outro café, espiou as horas, quis ir embora, mas não houve jeito e se rendeu. Pouco depois já era o editor-chefe do jornal. Tinha 26 anos.

E nesse interim – ele que me perdoe, mas contarei um segredo – foi também autor de uma famosa coluna social no Rio Grande do Sul, com pseudônimo, naturalmente. Veio para Florianópolis em 1986 com a equipe que iniciou o Diário Catarinense, do grupo RBS, o primeiro jornal informatizado do Brasil. Depois foi editor-chefe de O Estado, também na capital, e lá fez história em coberturas memoráveis, ao lado de amigos que ficaram para a vida toda.

Como um bom filho pródigo, voltou ao DC, onde, por quase duas décadas, foi editor de opinião. Vivia do jornalismo, mas sua grande paixão, ao lado dos seus inseparáveis cães e gatos, eram os livros. Sua primeira obra é de 1993, Fazendo a CabeçaJornalismo de Ideias e Críticas (Editora Paralelo 27). No ano seguinte, escreve Pequena História de Florianópolis (Editora Terceiro Milênio), relançada anos depois, e com grande sucesso de vendas, pela editora Cuca Fresca, com novo título: Histórias de Florianópolis para ler e contar.

Em 1995, publica Certas Certezas (Editora Terceiro Milênio) e recebe o Prêmio Othon Gama D’Eça, conferido pela Academia Catarinense de Letras ao melhor livro do ano. Nesses ensaios, como de costume, Mário não foge à polêmica e tem a coragem de criticar o multiculturalismo, “esse traiçoeiro rio”, e a síndrome do politicamente correto, “um dos seus mais poluídos afluentes”, além de detonar, sem piedade, o pagode, a lâmpada fosforescente e o atual jornalismo brasileiro.

“Os jornais de hoje”, dizia ele, “são imbatíveis para embrulhar peixe no mercado, forrar a gaiola do canário e a casinha do cachorro”. Cada vez mais descrente do “quarto poder”, faz seu primeiro mergulho na ficção com o conto Nem todas as Kombis são Brancas, incluído na antologia Círculo de Mistério, lançado pela Editora Garapuvu em 2000.

Dois anos depois, pela mesma editora, Mário homenageia os escritores do Estado com o delicioso Ao Pé da Letra – Escritores Catarinenses Contemporâneos e Outros textos. Em 2004, lança o primeiro livro de ficção, 12 Histórias, e conquista, outra vez, o Prêmio Othon Gama D’Eça.

Mário foi eleito para a Academia Catarinense de Letras em 2009. Em 2011, pela Insular, lança Saudade do Futuro, com crônicas sobres seus temas mais caros: os bichos, o cinema, os amigos... Sua última obra, Roteiro Histórico e Sentimental pelas ruas de Florianópolis, foi lançada pela Unisul em 2013.

Como jornalista, escritor e queridíssimo amigo, Mário tinha a capacidade de perceber o invisível, de captar o não dito, de fotografar o perfume. Apesar de ser um crítico de grande rigor, era extremamente generoso. Tinha sempre a mão estendida e com ela uma frase qualquer, dita de improviso, que fazia o interlocutor rir do mundo e de si mesmo. E seguir em frente com mais coragem.

Mário fará muita falta. Mas ainda bem que sua obra está aí, cada vez mais atual, mais necessária e sempre deliciosa. O exemplo de sua honestidade, elegância, dignidade, o exemplo de sua indignação ética e de suas inesquecíveis aulas também vão ficar. Portanto, sem choro, porque ele não gostava disso.

Obrigado, mestre. Obrigado por tudo.

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Fernando Evangelista é jornalista e documentarista. Crédito foto: Glaicon Covre (Diário Catarinense)

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