Não sei se você já notou, mas é comum, ao menos no metrô de São Paulo, que algumas pessoas não entrem no trem quando ele chega.
Não precisa ser no horário de pico. Esses dias mesmo peguei o metrô às 10 da manhã, pouco movimentado. Partindo da Estação Vila Madalena, entrei apressada no trem, como sempre faço, atrasada ou não. Sentei defronte à plataforma e pude observar um senhorzinho, meia idade, camisa social branca com o terceiro botão estirado, sentado naquele banquinho verde-água de plástico.
Quem são? O que fazem? O que comem?, me pus a pensar, do lado de dentro, que já fechava as portas para dali adiante berrar o simpático “next station”, tradução feita para os além mar que vieram ver a Copa do Mundo aqui.
Não cheguei a nenhuma conclusão, mas formulei algumas hipóteses.
A primeira é a do livro bom. Já deve ter acontecido com você de perder um ponto ou uma estação por se distrair com uma boa narrativa. Os que podem matar um tempo, suponho, nem entram no trem. O que me soa um pouco estranho porque aquela luz fluorescente, as paredes de cimento frio, o subterrâneo… Não é exatamente o lugar mais agradável da cidade. Mas a oriental que lia avidamente o último do John Green não parecia se importar.
A segunda hipótese é a do sono. Sim, porque vejo várias dessas pessoas dormindo nas desconfortáveis cadeirinhas de plástico em letargia profunda. A maioria jovens, que me parecem estudantes matando aula do cursinho.
Minha terceira suposição é a do TOC. Pode parecer bobagem, mas o transtorno obsessivo compulsivo é mais frequente do que parece. Vai saber se o sujeito não entra num vagão que comece com a letra H. (Ok, confesso que só pensei nisso depois de ver um senhorzinho muito excêntrico no purgatório das cadeirinhas de plástico fazendo movimentos repetitivos com os dedos, como os de quem escuta uma mesma batida de música – com o detalhe de que ele não estava ouvindo música).
Não consigo pensar em quaisquer outros motivos para um não entrar no maldito trem. Até tentei esboçar um mapeamento etnográfico desse público, mas sem sucesso.
Sei que toda a minha angústia se resolveria ao primeiro ímpeto de coragem de me dirigir a quaisquer dessas pessoas para perguntar: “oi, sou enxerida e tenho ânsia de saber: o que você faz aqui, sentado, em lugar de entrar no trem?”. Mas tenho algum receio da resposta…
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Maria Shirts, internacionalista e pedestrianista, mantém a coluna Transeunte Urbana. Ilustração de Ligia Morresi, especial para o texto
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