Não é à toa a circulação intensa do antipetismo nestas eleições, virtual e fisicamente. Os comentários de ódio não são poucos. Frases simplistas, que vão desde “vamos tirar o PT do governo” até “esses nordestinos (motivados pelo PT) não sabem votar”. As afirmativas-evasivas clamam por necessidade de alternância no poder, dizem que as administrações de Lula e Dilma dividem o país dando migalhas ao nordeste e que os petistas são responsáveis pela instalação do esquema mais corrupto da história do governo federal. Tudo com falta de embasamento que beira à irresponsabilidade.
O que se vê hoje aos montes nas redes sociais é construído pela mídia tradicional faz quase 12 anos. E não precisa de argumentos, apenas de discurso raso, estreito e odiento. Trabalho longo e que, ao contrário do que imaginaram os petistas mais otimistas quando da reeleição de Lula e da eleição de Dilma, já fez grande estrago na política brasileira. Independentemente de quem ganhar a eleição presidencial, a aversão à prática da política se alastrou pelo Brasil. E, óbvio, acabou por atingir de cheio o PT, legenda que melhor sabia fazê-la.
A população está cada vez mais distante da participação nas decisões sobre a realidade nacional via partidos políticos e sindicatos – a representação cai de qualidade, trabalhadores buscam movimentos mais horizontais. Como consequência, não se formam novas lideranças capazes de articular canais múltiplos entre a sociedade e o governo. Também não se dá o amplo trabalho de base. Eão abertos os fluxos para a atuação de oportunistas. Junto às comunidades, os vácuos são ocupados por igrejas. Em vez da politização, é instaurado um “deixa nas mãos de deus”.
O problema maior é que isso está longe de se encerrar no antipetismo. A questão escancara uma ferida infeccionada pelas bactérias do discurso fácil, da superficialidade nas ideias, da falta de compromisso, exposta nos frágeis programas de governo apresentados no pleito deste ano (o de Dilma incluído).
O vazio desses itens é similar a pedir alternância de poder sem debater a qualidade da mudança, a exemplo dos aecistas, que pedem a saída de Dilma e quase nunca expõe uma só ideia do candidato tucano. É similar a encarnar a acusação de que os petistas são os mais corruptos de todos os tempos sem ponderar que o PSDB figura em primeiro lugar na lista de partidos com mandatários envolvidos em esquemas de mau uso dos recursos públicos no país (é o Tribunal Superior Eleitoral quem diz, fundado em uma lista de políticos barrados pela Lei da Ficha Limpa). É similar, por fim, a dizer que Lula e Dilma dividiram o Brasil distribuindo “esmolas aos pobres”, sem considerar que a divisão da nação é historicamente provocada pela desigualdade, ação deliberada da elite econômica.
Como disse antes, essa deseducação política não brotou do chão. Ela foi sistematicamente construída por manchetes sensacionalistas, tendenciosas e tantas vezes mentirosas desde 2003, quando Lula assumiu a Presidência da República. Sob o manto da imparcialidade e de fiscal da sociedade (não, pessoal, isso não existe), as seis famílias que controlam as maiores empresas de comunicação do país buscam destruir o PT para defender interesses político-econômicos, já que seus donos não são somente porta-vozes da elite, mas a própria elite.
A guerra contra o petismo, portanto, é uma variação da luta de classes. As empresas marcam uma posição socioeconômica. Não querem recuar milímetros dos privilégios que têm. Para isso, é necessário enfrentar o PT, que nem fez um governo de reformas e distribuição de renda radical, mas é um partido com origem no trabalho e sempre será encarado pela elite como o “novo rico”, ou seja, é governo, tem aceitação no círculo por um tempo, mas não é da “estirpe”.
E se o voto do patrão não é petista, temos ainda que muitos empregados discursam e votam com o patrão, caso de diversos que trabalham nas redações da mídia corporativa e criticam duramente o PT. Curioso é que quantidade razoável desses profissionais bate contra o voto dos pobres em Dilma e esquece que os mais carentes economicamente têm direito legítimo de defender os interesses de classe, a exemplo das políticas sociais. Interesses, aliás, até mais legítimos do que os de outras parcelas da sociedade, como (quem diria?) jornalistas que votam ansiosos por manter os empregos e abrem mão da liberdade intelectual.
Não, esse não é um texto petista, visto que o PT, viciado que ficou pelas estruturas do poder, também produziu maniqueísmos nos últimos anos, coisa evidenciada desde junho de 2013. Foi a partir das manifestações daquele mês e até os protestos contra a Copa do Mundo, que o partido e boa parte da militância estimularam discursos e ações de intolerância contra manifestantes, inclusive, em dados momentos, com o uso das linhas de transmissão (de novo, quem diria?) da mídia tradicional.
Os ativistas eram execrados, ou por vandalismo, ou por “se aliarem à direita com o objetivo de destruir o governo”. Governo defendido, às vezes, como algo quase divino e intocável.
Petistas de gabarito intelectual atacavam indiscriminadamente manifestantes: eram todos “coxinhas”. Com as inteligências nubladas, havia só o “golpe conservador” nas ruas, como se não existissem pautas de esquerda na maior parte de junho (reivindicação pela redução do preço das passagens de ônibus, mais qualidade no transporte coletivo, auditoria das empresas do setor, garantia do direito à moradia, desmilitarização da polícia). Entre os muitos que generalizavam, nem uma participação nas manifestações. Depois, veio o apoio à criminalização dos movimentos de rua e às sequentes investigações policiais fraudulentas, além de decisões judiciais aberrantes, executadas para dispersar os protestos.
Dessa forma, conforme crescia o desencanto com o partido em uma parte progressista da população, o PT, primeiro, parou no tempo, travou no momento histórico de 2013. Em seguida, usou o palavrório ameaçador de “retorno da direita” e ajudou a empurrar movimentos à esquerda dele para a criminalização, ainda que não diretamente pelas mãos da polícia e da Justiça, ao menos perante a opinião pública.
A perda política veio com o despencar da popularidade de Dilma e no resultado das urnas, pois, mesmo que a presidenta se reeleja, a inabilidade do governo tornou dificílima uma eleição praticamente ganha, se olharmos para pouco mais de 1 ano antes da disputa.
Dois lados da mesma moeda e, final das contas, está dado o processo de despolitização fundado no ódio. Os veículos de comunicação tradicionais incentivaram o rancor pela política para ocupar espaços via conservadorismo. Conseguiram, haja vista a bancada mais reacionária eleita para o Congresso Nacional desde a ditadura civil-militar. O PT, de outro lado, ignorou pautas progressistas e colaborou para difundir o que algumas de suas lideranças criticam veementemente: a criminalização da política. Triste. Estas eleições poderiam ter sido, de longe, as mais avançadas da história do Brasil. Poderiam.
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Moriti Neto, jornalista e colunista do Nota de Rodapé onde mantém a coluna Escarafunchar
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