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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

A emoção quer ingressos para voltar aos estádios


Por Pedro Mox*

Lembro-me quando fui, ainda moleque, aos jogos do meu time pelas primeiras vezes. Filas intermináveis para chegar ao estádio. O melhor churrasquinho de gato da cidade vendido nos arredores. Toda a massa de torcedores lá reunidos pela mesma paixão. Havia apenas dois setores, sem contar os camarotes; a social, coberta, e o resto do estádio. Sem cadeiras, sem teto e com sanitários precários. Banco de reservas em concreto, idêntico à maioria dos pontos de ônibus da cidade. O lanche era espetinho de frango sem o espeto, amendoim e pipoca. Nas arquibancadas, circulavam vendedores de refri, cuba e cerveja.

Atentei a isso recentemente, enquanto fazia um trabalho no mesmo estádio – que, na verdade, não é mais o mesmo. Está muito mais bonito, modernizado. Quase todo coberto, várias entradas. As cadeiras (agora, todos os lugares são cadeiras) desenham o escudo do time. Internet sem fio, assentos confortáveis para comissão técnica e suplentes.

Enquanto esses dois estádios misturavam-se ante meus olhos e minhas lembranças, não pude não questionar o caminho que nosso futebol está tomando. Um rumo que parece não permitir modernidade e torcida  concomitantemente. Com a Copa vieram as arenas, modernas. Entretanto arrisco dizer que sem a mesma vibração dos tempos cujos gritos da geral do Maracanã ecoavam campo adentro. Podemos, quiçá devamos, nos acostumar à organização vinda dos estádios europeus.

No entanto, a transformação da torcida em platéia não me parece um quesito fundamental. O futebol vive dos torcedores, da turba que, faça chuva ou faça sol, deixa tudo de lado para apoiar o time.   

O estádio da minha infância lembra o que se vê até hoje na Argentina; muitas cantorias e trapos, como eles chamam bandeiras e faixas. A devoção dos hinchas, inclusive, merece ser notada. Toda a festa antes das partidas, músicas durante todo o jogo, incentivo, mesmo nas situações mais adversas. Isso não tem a ver com violência. Isso é estádio.  

O extremo oposto, igualmente, não é nada saudável. Torcedores não precisam de jaula, algo que felizmente conseguimos abandonar – é muito melhor sentar na arquibancada ao lado do banco de reservas do que fossos e gradis medievais. O arremesso de todo tipo de objetos dentro das quatro linhas foi coibido com punições aos clubes no Brasil, mas não raro, na Libertadores, policias precisam “blindar” jogador que bate um escanteio. Algo vergonhoso.

Aqui mesmo, em alguns estados, a entrada do batalhão de choque para “proteger” o árbitro ao final das partidas é, no mínimo, desproporcional.

O ponto central é: uma situação não implica ou impede a outra. Não precisamos de espectadores de futebol para acabar com vândalos disfarçados de torcedores. Tampouco necessitamos de brigas após qualquer partida para provarmos ser realmente apaixonados. Torcer implica ficar mal-humorado, se incomodar, não querer ver ninguém após a derrota num clássico. Chegar e sair do estádio xingando ou chacoteando o rival. O que  distancia-se anos luz de bater na cabeça de outro com uma barra de ferro pela camisa que usa.

No último Palmeiras x Corinthians, as confusões não foram causadas por uma briga entre torcedores rivais, mas entre torcedores palmeirenses e polícia, e entre os próprios corintianos. Torcida única, posto, não é a solução. Aliás, ela só serve para comprovar a apatia do estado nas questões relativas, mas não necessariamente ligadas, ao esporte bretão.

Tomemos como exemplo outra situação no mesmo final de semana: ao ver que num vagão do metrô estavam quatro são-paulino, 40 organizados do Corinthians resolvem invadir o trem para agredi-los. Findo o incidente, assinam um termo circunstanciado e vão para casa como se nada tivesse acontecido.

A conivência com a qual estado, polícia e organizadas lidam com esse tipo de fato explica o porquê deles ainda acontecerem. Medidas paliativas como sempre, discursos vazios e ação zero, como tendemos a tragicamente acostumarmo-nos. É um crime, além de esdrúxulo, deslocado do campo de jogo. Contudo, por ser relativo ao futebol, recebe tratamento leniente e inócuo.

Todos lembram da briga generalizada entre torcedores do Atlético-PR e Vasco, na última rodada do brasileiro de 2013. Dos 31 indiciados, 22 tiveram, esta semana, direito à suspensão do processo. Em contrapartida, não poderão ir a eventos esportivos nem cometer outros crimes durante dois anos. Parênteses, como se não poder cometer crimes fosse punição para qualquer coisa.

Da batalha campal no Couto Pereira em 2009, num Coritiba x Fluminense, apenas 14 pessoas foram identificadas. Metade cumpriu penas brandas e metade ainda aguarda julgamento. Ninguém está/foi preso.

Em Santa Catarina, torcedores organizados não podem frequentar estádios com artefatos das torcidas, mas podem ir a todos os jogos desde que usem outro fardamento. Reprime-se a entidade, como se fosse um ser próprio, e, por tabela, os que não têm nenhum problema com confusões. Porém às pessoas que executam atos passíveis de punição, medida alguma é tomada.  
 
O medo e os problemas com violência – sim existentes – fizeram com que grande parte da população se afastasse dos gramados. O combate acabou dando-se, todavia, com a simultânea extinção do torcedor torcedor, que chora e comemora os feitos de sua agremiação. Dentro de campo, ou melhor, dentro dos estádios, desenhou-se uma situação que parece não poder coexistir, mas ela pode.    

2015 poderá apresentar passos importantes para o futebol brasileiro. No ano seguinte à Copa do Mundo, nossos clubes tiveram algo próximo ao que pode se chamar de pré-temporada. O Bom Senso FC articula-se em favor do esporte. A medida provisória que permitiria o refinanciamento das dívidas dos clubes sem qualquer contrapartida foi felizmente vetada. Apesar da CBF, novos ares podem soprar sobre nossos gramados. 

Por fim, sim, eu gosto de belos estádios. Torço apenas para que a emoção de antigamente volte a frequentá-los.



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 Pedro Mox
, jornalista e fotógrafo, especial para o NR. Imagem: Jornalismo FC

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