Por Pedro Mox*
Lembro-me quando fui, ainda moleque, aos jogos do meu time pelas primeiras vezes. Filas intermináveis para chegar ao estádio. O melhor churrasquinho de gato da cidade vendido nos arredores. Toda a massa de torcedores lá reunidos pela mesma paixão. Havia apenas dois setores, sem contar os camarotes; a social, coberta, e o resto do estádio. Sem cadeiras, sem teto e com sanitários precários. Banco de reservas em concreto, idêntico à maioria dos pontos de ônibus da cidade. O lanche era espetinho de frango sem o espeto, amendoim e pipoca. Nas arquibancadas, circulavam vendedores de refri, cuba e cerveja.
Atentei a isso recentemente, enquanto fazia um trabalho no
mesmo estádio – que, na verdade, não é mais o mesmo. Está muito mais bonito,
modernizado. Quase todo coberto, várias entradas. As cadeiras (agora, todos os
lugares são cadeiras) desenham o escudo do time. Internet sem fio, assentos
confortáveis para comissão técnica e suplentes.
Enquanto esses dois estádios misturavam-se ante meus olhos e
minhas lembranças, não pude não questionar o caminho que nosso futebol está
tomando. Um rumo que parece não permitir modernidade e torcida concomitantemente. Com a Copa vieram as
arenas, modernas. Entretanto arrisco dizer que sem a mesma vibração dos tempos
cujos gritos da geral do Maracanã ecoavam campo adentro. Podemos, quiçá
devamos, nos acostumar à organização vinda dos estádios europeus.
No entanto, a transformação da torcida em platéia não me
parece um quesito fundamental. O futebol vive dos torcedores, da turba que,
faça chuva ou faça sol, deixa tudo de lado para apoiar o time.
O estádio da minha infância lembra o que se vê até hoje na
Argentina; muitas cantorias e trapos, como eles chamam bandeiras e faixas. A
devoção dos hinchas, inclusive, merece ser notada. Toda a festa antes das
partidas, músicas durante todo o jogo, incentivo, mesmo nas situações mais
adversas. Isso não tem a ver com violência. Isso é estádio.
O extremo oposto, igualmente, não é nada saudável.
Torcedores não precisam de jaula, algo que felizmente conseguimos abandonar – é
muito melhor sentar na arquibancada ao lado do banco de reservas do que fossos
e gradis medievais. O arremesso de todo tipo de objetos dentro das quatro linhas
foi coibido com punições aos clubes no Brasil, mas não raro, na Libertadores,
policias precisam “blindar” jogador que bate um escanteio. Algo vergonhoso.
Aqui mesmo, em alguns estados, a entrada do batalhão de
choque para “proteger” o árbitro ao final das partidas é, no mínimo,
desproporcional.
O ponto central é: uma situação não implica ou impede a
outra. Não precisamos de espectadores de futebol para acabar com vândalos
disfarçados de torcedores. Tampouco necessitamos de brigas após qualquer partida
para provarmos ser realmente apaixonados. Torcer implica ficar mal-humorado, se
incomodar, não querer ver ninguém após a derrota num clássico. Chegar e sair do
estádio xingando ou chacoteando o rival. O que
distancia-se anos luz de bater na cabeça de outro com uma barra de ferro
pela camisa que usa.
No último Palmeiras x Corinthians, as confusões não foram
causadas por uma briga entre torcedores rivais, mas entre torcedores
palmeirenses e polícia, e entre os próprios corintianos. Torcida única, posto,
não é a solução. Aliás, ela só serve para comprovar a apatia do estado nas
questões relativas, mas não necessariamente ligadas, ao esporte bretão.
Tomemos como exemplo outra situação no mesmo final de
semana: ao ver que num vagão do metrô estavam quatro são-paulino, 40
organizados do Corinthians resolvem invadir o trem para agredi-los. Findo o
incidente, assinam um termo circunstanciado e vão para casa como se nada
tivesse acontecido.
A conivência com a qual estado, polícia e organizadas lidam
com esse tipo de fato explica o porquê deles ainda acontecerem. Medidas
paliativas como sempre, discursos vazios e ação zero, como tendemos a
tragicamente acostumarmo-nos. É um crime, além de esdrúxulo, deslocado do campo
de jogo. Contudo, por ser relativo ao futebol, recebe tratamento leniente e
inócuo.
Todos lembram da briga generalizada entre torcedores do
Atlético-PR e Vasco, na última rodada do brasileiro de 2013. Dos 31 indiciados,
22 tiveram, esta semana, direito à suspensão do processo. Em contrapartida, não
poderão ir a eventos esportivos nem cometer outros crimes durante dois anos.
Parênteses, como se não poder cometer crimes fosse punição para qualquer coisa.
Da batalha campal no Couto Pereira em 2009, num Coritiba x
Fluminense, apenas 14 pessoas foram identificadas. Metade cumpriu penas brandas
e metade ainda aguarda julgamento. Ninguém está/foi preso.
Em Santa Catarina, torcedores organizados não podem frequentar
estádios com artefatos das torcidas, mas podem ir a todos os jogos desde que
usem outro fardamento. Reprime-se a entidade, como se fosse um ser próprio, e, por
tabela, os que não têm nenhum problema com confusões. Porém às pessoas que
executam atos passíveis de punição, medida alguma é tomada.
O medo e os problemas com violência – sim existentes –
fizeram com que grande parte da população se afastasse dos gramados. O combate
acabou dando-se, todavia, com a simultânea extinção do torcedor torcedor, que
chora e comemora os feitos de sua agremiação. Dentro de campo, ou melhor,
dentro dos estádios, desenhou-se uma situação que parece não poder coexistir,
mas ela pode.
2015 poderá apresentar passos importantes para o futebol
brasileiro. No ano seguinte à Copa do Mundo, nossos clubes tiveram algo próximo
ao que pode se chamar de pré-temporada. O Bom Senso FC articula-se em favor do
esporte. A medida provisória que permitiria o refinanciamento das dívidas dos
clubes sem qualquer contrapartida foi felizmente vetada. Apesar da CBF, novos
ares podem soprar sobre nossos gramados.
* * * * * *
Pedro Mox, jornalista e fotógrafo, especial para o NR. Imagem: Jornalismo FC
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