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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sábado, 8 de maio de 2010

A vida pessoal de Ronaldo e o noticiário esportivo

Quando Thiago Domenici me convidou para ocupar um espaço neste blogue combinamos que eu não escreveria sobre futebol, assunto que há anos, por motivos de trabalho, trato diariamente. Mas mudei de ideia para compartilhar uma análise sobre Ronaldo e os últimos episódios envolvendo o craque do Corinthians. Prometo que não se tornará rotina.
Dias antes do Corinthians anunciar a contratação de Ronaldo, em dezembro de 2008, o finado jornal da Placar (projeto que naufragou, em boa parte, por essa bola fora) publicou uma foto do craque com o seguinte título: ataque de riso. Zombava da possibilidade do time paulista ter em seu quadro o Fenômeno – rumor que agitava o jornalismo esportivo naqueles dias.
A verdade é que ninguém com um pouco de razão acreditava que o maior artilheiro das Copas do Mundo jogaria em um time que teve que disputar a segunda divisão do campeonato nacional naquele ano. A questão era, mais que nada, financeira, mas passava também por afinidade.
Se Ronaldo voltasse para o Brasil, seria no Flamengo, clube de coração do atacante e onde ele treinou após a terceira cirurgia de joelho que fez – e que o deixou de molho por mais de um ano. Foi, sem dúvida, a maior contratação de um jogador feita por um clube brasileiro.

Vida pessoal ou notícia esportiva?
Lembro que na Folha de S.Paulo, jornal onde eu trabalhava à época, o editor de Esporte fez uma reunião cujo tom foi: não sabemos como vamos tratar Ronaldo, mas não será como até agora tratamos os jogadores de futebol. Sua vida, suas ações fora de campo seriam tão comentadas tanto quanto sua atuação nos gramados. Caberia ao jornal decidir o que era assunto esportivo e o que era coluna social.
Dias depois, Ronaldo foi fotografado em uma boate em São Paulo. A foto foi oferecida a vários jornais (por um preço bem salgado). O fotógrafo que fez o comentado retrato ficou durante horas na frente da casa noturna, disfarçado de mendigo, esperando pela saída do jogador - me relatou isso. Havia sido avisado (e pagou por isso) por funcionários do local da presença do craque. Fez a foto e ganhou uma bela grana.
O Fenômeno havia transcendido a barreira do Esporte. Sua vida pessoal vendia tanto quanto a de Roberto Carlos ou Xuxa. Vida pessoal ou notícia esportiva? Ronaldo fez um exame físico às 8h da manhã daquele dia e foi fotografado às 6h.
Logo veio o episódio em um prostíbulo no interior de São Paulo onde o Corinthians fazia a pré-temporada. Ele, na companhia de outros atletas do clube, haviam fugido da concentração e regressado de manhã, bêbados. Vida pessoal? O episódio não prejudicava a preparação de um jogador que tentava voltar a ser atleta?
Meses antes ele havia se envolvido em um escândalo com travestis e parado na delegacia. Vida pessoal? Desta vez, sim. À época Ronaldo não tinha contrato com nenhum clube e sequer havia a certeza de que ainda era um jogador de futebol.
Há mais de um ano Ronaldo luta para entrar em forma. Está, visivelmente, acima do peso. Recentemente a Folha de S. Paulo publicou que o craque passa por um problema pessoal e que, por isso, aumentou a quantidade de cigarros que fuma – estaria na casa dos dois maços diários. A repercussão da notícia enfureceu o atacante, que na quinta-feira, dia 6, desabafou em uma entrevista coletiva realizada no Parque São Jorge – um dia depois da eliminação do Corinthians na Libertadores. Vale dizer, foi o primeiro atleta do time a falar após o projeto de vencer a principal competição continental.

"Jogo com muitas dores"
O que se viu foi um Ronaldo abatido e cansado, que se emocionou e quase chegou às lagrimas quando foi questionado por que não conseguia entrar em forma. A palavra usada pelo repórter foi “falta de comprometimento” e a resposta do Fenômeno: “Tenho 33 anos, oito operações no corpo, jogo com muitas dores, e ainda tenho que ouvir uma pergunta sobre comprometimento”.
O lamento prosseguiu. Ronaldo reclamou de que as críticas a ele não são “técnicas” e, sim, pessoais. Disse que no Brasil um ídolo não é tratado como se deve e citou os Estados Unidos, país que disse admirar por tratar seus esportistas “quase como deuses”.
Importante lembrar que Ronaldo é aquele mesmo cara que anunciou ao vivo, em um programa da Rede Globo, que iria se casar. É também aquele mesmo jogador que levou a namorada Daniela Cicarelli em um treino da seleção e a exibiu como troféu. É o mesmo que vendeu as fotos do matrimônio para uma revista de fofoca da Espanha.
É fato que se Ronaldo estivesse jogando como antes os comentários sobre sua vida pessoal seriam minimizados. Mas como funcionário de um clube é natural que se busque explicação para seu fraco desempenho dentro de campo. E então vem a vida pessoal, que Ronaldo um dia já expôs e hoje pede privacidade.
Na entrevista o atacante disse que está perto de pendurar as chuteiras e que não deixará que “o aposentem”. Reclamou das concentrações e de piadas que tem sido feitas sobre seu peso. Disse que ainda tem prazer em jogar futebol, mas demonstrou que já não suporta o sacrifício que ser um atleta de ponta exige – que não é pequeno, diga-se. Ou seja, quer jogar, mas não está mais disposto a abraçar o pacote completo (treinos puxados, cobrança e concentração). Talvez o melhor seja jogar bola de sábado e fazer um churrasco com os amigos depois, como a grande maioria dos brasileiros faz.

O fardo de ser Ronaldo
Ronaldo vive agora um dilema. Buscar, novamente, forças para dar outra volta por cima e terminar a carreira no final do ano ajudando o Corinthians a vencer o Brasileiro ou conquistar uma vaga à Libertadores; ou levar os meses que faltam para terminar seu contrato em banho-maria, como tem feito. Jogar às vezes, fazer alguns gols e esperar para anunciar a aposentadoria – quem sabe até mesmo antes do final do ano.
Embora reclame, Ronaldo é, sim, tratado como um ídolo. Inclusive pela imprensa. E o que mais me chamou atenção na entrevista coletiva do jogador foi justamente isso. Pela primeira vez vi um Ronaldo de carne e osso. Não era o craque eleito três vezes o melhor jogador do mundo; não era o camisa 9 que encantou a Espanha; não era aquele jogador com cabelo estranho que demoliu a Alemanha, em pleno estádio Olímpico, em Berlim, na Copa de 2002.
Era um homem comum, cansado após um dia de trabalho em que as coisas não deram certo. Um rapaz de 33 anos, aparentando bem mais, que se queixava da vida. Se as câmeras estivessem desligadas e um copo de uísque estivesse do lado, provavelmente Ronaldo diria estar de saco cheio e que pensa em chutar tudo para o alto. Mas há nessa história um nome a zelar e muito, muito dinheiro envolvido.
É mais provável que Ronaldo siga engolindo sapos e contando os dias para deixar de ser Ronaldo Fenômeno - e ser apenas Ronaldo Nazário. Quando isso acontecer, ele pode ficar tranquilo. A imagem que teremos não é de um Ronaldo agonizante em campo, matando bola de canela, mas sim daquele monstro capaz de fazer jogadas absolutamente sobrenaturais como estas:


Ricardo Viel é jornalista e colunista do Nota de Rodapé

Um comentário:

tadeu breda disse...

bela análise, meu caro.

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