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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A infeliz reinvenção do Roda Viva

Magnoli foi o entrevistado de segunda-feira

Na última segunda feira, 6 de setembro, assisti à “nova versão” do programa Roda Viva, da TV Cultura, que, agora, tem Marília Gabriela como âncora. Na tela, um formato em cor predominantemente verde, com bancada de entrevistadores menor e o entrevistado no centro, como sempre, mas na altura dos perguntadores.
A forma não causou espanto e tampouco se esperava que o conteúdo o fizesse, já que o sabatinado era o geógrafo Demetrio Magnoli, colunista dos jornais O Estado de São Paulo e O Globo, logo de cara denominado por Marília Gabriela como “polemista”. Na verdade, não poderia aguardar muito da entrevista de alguém que não reconhece a necessidade da correção de injustiças históricas, como a escravidão negra, por meio de ações objetivas, como as cotas raciais na universidade, e que tenta encaixar um discurso ultraconservador sempre que pode. Contudo, nada que não pudesse piorar.
Rodeado por uma bancada que contava com os jornalistas Augusto Nunes (Revista Época) Paulo Moreira Leite (Estadão) Delmo Moreira (IstoÉ) e o escritor Paulo Lins (Cidade de Deus), os assuntos em destaque foram a “refundação da oposição no Brasil” (leia-se PSDB/DEM) e, claro, a história das quebras de sigilo na Receita Federal.
Sobre o primeiro, Magnoli falou da “saudade de uma direita inteligente”. Nenhum problema em haver direita – se inteligente, melhor – mas se esse raciocínio simplista é o que se que tem a dizer a respeito de conceitos políticos doutrinários, saído da boca de um acadêmico, a coisa está mesmo feia. Nessa linha, o sociólogo reforçou a necessidade de resgatar os anos FHC para estabelecer uma oposição. Seria essa, pois, a “direita inteligente”?
No embalo do discurso de oposição e direita fortes, Magnoli entrou na quebra de sigilos dos tucanos. Tá. Houve quebra. Como há, por exemplo, quando uma empresa manda uma mensagem na sua caixa de emeios sem que você tenha permitido ou quando o telemarketing entra em ação, oferecendo produtos de uma companhia da qual você nunca ouviu falar. Contatos assim são conseguidos com a obtenção de cadastros vendidos nos centros das grandes cidades, gravados em CDs. Infelizmente, algo corriqueiro.
Não estou diminuindo a gravidade da violação de dados. É fato sério, mas daí a afirmar que a tal invasão na Receita tenha sido iniciativa de Dilma Rousseff – ou do comando da campanha dela – é estapafúrdio e irresponsável. Crime também grave, pois expõe e tenta criminalizar, sem provas, a pessoa, o ser humano, a colocando no banco dos réus antes mesmo de qualquer investigação.
Demétrio Magnoli e os entrevistados bateram, ainda, na tese de “estado policial”, “stalinista”, “ditatorial”, dominado por um partido, o PT, que vigia e cerceia as liberdades civis. Bem, se assim fosse, como estariam os nobres debatedores falando tão livremente?
Nestes quase oito anos, pode-se contraditar muita coisa sobre o governo federal, mas nunca vi e ouvi um presidente da República ser tão ofendido como Lula, estampado em capas de revista com chifres e marca de pé na bunda ou chamado de bandido, como em editorial do Estadão, publicado na sexta-feira passada, dia 3.
No Roda de segunda, a liberdade para falar era tanta que permitiu a uma histriônica Marília Gabriela, gesticulando freneticamente, dizer: “Pra que serve nossa profissão de jornalista? Por que a história do sigilo não cola? Por que nada cola no Lula?”. Atenção às expressões “nossa profissão de jornalista” e “não cola”. Admitem, mesmo inconscientemente, que, na nossa (ou deles?) profissão de jornalista, é preciso fazer as pessoas acreditarem em algo, espalhando e repetindo boatos até que “colem”.
Nessa roda toda, sobrou para os blogs que, recentemente, foram classificados por José Serra de “sujos’ e “financiados pelo governo do PT”. Magnoli usou argumento idêntico. Ora, se há blogs recebendo recursos públicos, o fazem por anúncios governamentais. Pequenos, diga-se de passagem. Sobre o financiamento aos grandes veículos, nas páginas de jornalões/revistonas e nos intervalos comerciais de TVs e rádios, ninguém falou. Por acaso, eles sobrevivem do quê? Apenas de publicidade privada?
No caso, o problema não é o financiamento em si, mas a parte do bolo que a mídia corporativa está perdendo. Sequer a questão é o dinheiro, mas, sim, a disputa pelo monopólio da informação, porque a rede, hoje, proporciona nova relação com o cidadão, diminuindo a passividade, a perplexidade diante da “voz da verdade”, e incentiva mobilização e participação.
Enfim, tentando desclassificar Lula, Magnoli, professor que é, esqueceu-se dos conceitos acadêmicos mais básicos. Ao analisar as aprovações de governo e presidente, disse que se deve levar em consideração que os institutos de pesquisa juntam “bom e ótimo” e que “bom” – a maioria na coleta de dados dos pesquisadores – é uma “aprovação não entusiasmada”. E eu achando que regular, inclusive nas universidades, é que implicava em aluno aprovado de maneira “não entusiasmada”, no esquemão do “passou raspando”, média 5.
Na realidade, os institutos consideram como positiva a avaliação contendo bom e ótimo, onde a administração Lula soma 77%, segundo a última pesquisa CNI/ibope, publicada em 3 de setembro. Fazendo uma conta inversa a do geógrafo, considerando os regulares (18%) que avaliam no esquema do “passou raspando”, o governo, atualmente, é aprovado por 95% da população brasileira.
Como observado, contas podem ser feitas de várias formas, mas não é admissível manobrar números, esquecendo princípios elementares, algo que um acadêmico como Magnoli tem obrigação de conhecer.
Depois de toda essa cantilena reacionária e distorcida, o Roda Viva da última segunda não poderia terminar pior. Encerrou-se com desconforto no ar, quando se instalou o debate sobre cotas raciais. O escritor Paulo Lins rebatia um argumento de Magnoli, enfatizando que a raça negra, apesar das políticas compensatórias, está longe de ter espaço equilibrado em relação ao branco. Ele, único negro ali, apontou a própria ocasião como microcosmo da situação, explicando, calmo, a representação da falta de equidade. Foi interrompido abrupta e deselegantemente por Marília Gabriela e quase não falou mais até o final do programa. Talvez Lins tenha se esquecido de onde e com quem estava. Já eu, tristemente, não esqueci ao que estava assistindo.

Moriti Neto é jornalista e colunista do NR

3 comentários:

Jéssica Santos disse...

Estou sem TV desde que mudei e cheguei a pensar que perderia o Roda Viva, um dos únicos programas que acompanhava. Vejo por sua descrição que posso permanecer sem TV já que conseguiram destruir o programa, uma pena.

F.Silva disse...

Então quer dizer que Heródoto Barbeiro foi afastado depois que cutucou o Zéserra falando sobre Pedágio?Vejo que essa bancada que participou junto com Marília é 99% pró-tukanos,ou não é?

Francisco disse...

Não é o Zémentirososeraa que fala tanto em liberdade de imprensa?Cadê,então,o Heródoto no Roda Viva?Também depois que o Tukanovampirão fez reuniãozinha com militares da Aeronáutica à portas fechadas tudo puder criar para conseguir o título inédito de presidente,ele fará com ajudada mídia golpista e vendida.Se bem que o de Nacença ele já conseguiu!kkkkkkkkk

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