Acontece que quem crê de verdade no Brasil, sempre pode se surpreender um pouco mais. Essa foi a sensação que permeou certa tarde de trabalho do meu cotidiano no jornalismo. Buscava executar a função a qual me proponho há quase um ano, educar pela notícia. O segundo turno da eleição presidencial de 2010 estava confirmado e eu precisava falar sobre ele.
Avaliei que, para o meu público, estudantes colegiais, à beira do vestibular, essa seria uma boa oportunidade para fazer um resgate de sentido de democracia no berço de nossa civilização, a Grécia Antiga, antes mesmo da Era Cristã. A democracia como meio de se alcançar a liberdade e, consequentemente, a felicidade, indissociáveis no universo grego. Algo bastante distante da esquizofrenia eleitoral que vivenciamos a cada dois anos.
Relacionei o debate eleitoral com as discussões públicas que aconteciam nas Ágoras gregas, espaços da pólis destinados ao verdadeiro exercício da política, onde os cidadãos se encontravam não para cobrar de seus representantes seus desejos pessoais, mas para construir, em grupo, respostas aos problemas da coletividade. Sinceramente acreditei que dessa forma estaria contribuindo para o entendimento do verdadeiro sentido de democracia.
Mas fui traída por outra prática do universo grego: o sofismo, capaz de negar até o que se vê. Na ânsia de aproveitar o gancho da eleição – jargão usado no jornalismo - para levar a política para a sala de aula, colocando o momento como algo positivo, do ponto de vista do debate de ideias (espero que algum dia também de ideologias), não me dei conta que estava, na verdade, criando argumentos para quem eu não tinha interesse algum em beneficiar: a ala azul do partidarismo.
Como bem avisou Capitão Nascimento, o narrador onisciente do filme Tropa de Elite, enquanto membros de uma ONG que atuava dentro da favela eram capturados e mortos de forma estúpida pelos traficantes da comunidade beneficiada pelos ativistas (ela com um tiro na testa, ele em chamas aprisionado em uma pilha de pneus), “só ativista burguês com consciência social para não entender que guerra, é guerra”.
A cena do filme, que revi no dia seguinte à publicação da minha matéria, me transportou direto para o universo midiático, ao qual estou completamente enraizada. Percebi que eu havia contribuído, ainda que de modo inocente (e no jornalismo a inocência não tem perdão), para engrossar o coro do “agora sim vamos poder realmente conhecer os candidatos”. Coro este que no dia seguinte à nova rodada eleitoral trouxe à baila, de maneira bastante desonesta, o passado guerrilheiro da candidata vermelha.
Embora a imparcialidade seja utopia a qual eu tenha lançado mão ainda na faculdade de jornalismo, assim como muitos colegas, fiz um compromisso comigo e com meus leitores há anos da busca honesta pela objetividade.
A minha surpresa foi ser confrontada pela minha própria consciência de que, guerra, ainda que midiática, é guerra. Nela, não há certo e errado. O que há são apenas lados da trincheira. O ensinamento tardio me fez perceber que, se a imparcialidade é utopia da razão, a objetividade tampouco tem posto isento na guerra da informação. Ta aí o caso da psicanalista Maria Rita Kehl para evidenciar tudo isso e um pouco mais. Porque quem crê no Brasil, pode sempre se surpreender um pouco mais.
Carolina Lopes é jornalista, editora do site www.jornalismoeducativo.com.br, especial para o NR
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