Tucano, talvez por soberba, resume em 140 caracteres suas propostas, que, analisadas a fundo, mostram despreparo exatamente de quem se orgulha de um passado acadêmico tão belo
É interessante tentar analisar a fundo as propostas do candidato do PSDB à Presidência, José Serra. É bom analisar a fundo essas promessas exatamente porque elas não têm fundo. São rasas. São propostas que estão de acordo com este momento do mundo em que alguém consegue expressar todo um pensamento em 140 toques.
Não quero, com isso, dizer que Serra tem grande capacidade de síntese. Não tem. Assim como não tem propostas que devam ser levadas a sério. As propostas de Serra são tuiteiras, se resumem a uma, duas linhas: salário mínimo a R$ 600, 13º para beneficiários do Bolsa Família e reajuste de 10% para as aposentadorias.
Estive, nestas eleições, em alguns eventos com a presença do tucano. Não foram raras as ocasiões em que, perguntado sobre como levaria adiante determinada proposta, Serra falou coisas do gênero “Não sei, precisa estudar, analisar, mas dá pra fazer”. Assim, em 52 caracteres, Serra resume seu pensamento.
E, para quem está um cadinho mais atento, entrega seu despreparo. O ex-governador, que tanto se orgulha de seu passado acadêmico, parece não ter estudado o suficiente para ser presidente do país. É esperado que um candidato, ainda mais um que figura entre os favoritos, tenha clareza em suas propostas e possa explicá-las a fundo, inclusive apontando de que forma e com que dinheiro seriam executadas. Serra, não sei se por soberba, não sabe fazê-lo.
Quando recebe uma pergunta desfavorável, sai-se com simplificações demonizantes, como a que ocorreu na última semana, quando acusou o repórter do Valor Econômico – publicação das organizações Globo – de “fazer capa para a propaganda do PT”. Um grunhido de 34 caracteres, emburrecedor do debate, mas que se presta àquilo que deseja o PSDB em uma era em que propostas tuiteiras são aceitas como verdades inteiras.
Agrotóxico genérico
Poderia citar inúmeras aqui e mostrar como nenhuma passa de duas ou três frases. Fico apenas com a última, e sugiro ao leitor que preste atenção daqui por diante nesta característica serrista. No sábado (16), o tucano defendeu suas propostas para a agricultura. Falou que vai criar o “agrotóxico genérico”. Isso mesmo. Ou Serra é desinformado ou aposta na desinformação dos brasileiros. Se bem entendi este grunhido, a ideia é um agrotóxico sem patente. Oras, é evidente que se trata de algo absolutamente impossível para um neoliberal: Monsanto e suas parceiras fabricantes de venenos mandam em boa parte do Congresso, em especial nas bancadas de DEM, PSDB e PMDB. Parece que Serra, de tanto gostar dos remédios genéricos, resolveu adotar as propostas genéricas.
Caô Caô
Com tantas promessas, impossível deixar de lembrar do mítico personagem construído por Bezerra da Silva em “Candidato Caô Caô”. Com sua inigualável simplicidade, Bezerra descreve o candidato que sobe o morro sem gravata, diz que gosta da raça, toma cachaça e até dá um tapinha. Mostrando que é mesmo do povão, vai lá na macumba pedir ajuda e... o tiro sai pela culatra:
A entidade que estava incorporada
Disse esse político é safado
Cuidado na hora de votar
Também disse:
Meu irmão se liga
No que eu vou lhe dizer
Hoje ele pede seu voto
Amanhã manda a polícia lhe bater
A diferença é que Serra, em vez da macumba, vai à igreja, papa-hóstia e reza o Pai Nosso como nunca. Mas apareceu um padre lá no Ceará que resolveu incorporar a entidade de Bezerra e recusar o uso político da religião. Tasso Jereissati, ex-presidente do PSDB e grunhidor profissional, resumiu em menos de 140 caracteres tratar-se de um “padre petista” que “provoca problemas à igreja”. Só um pouquinho de tanta verdade. Só um grunhido contra a mentira. Como diriam os cariocas, contra o caô. Como diria Serra, contra o trololó.
Último Grunhido
Serra, no último debate do primeiro turno, afirmou em 350 toques que São Luiz do Paraitinga, cidade do interior paulista devastada pelas enchentes, está reconstruída. “De tudo que tinha de mais importante já foi entregue”, resumiu. Estive em São Luiz. Precisei de mais de 350 toques para explicar que a cidade está longe da reconstrução.
João Peres é jornalista e colunista do NR
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