Como nascem as notícias
Natalia Viana
Julian Assange dar uma entrevista para internautas brasileiros é notícia. Seria notícia mesmo se a entrevista não fosse interessante, rica e divertida – afinal, muitas entrevistas suas a dezenas de veículos de imprensa do mundo têm sido reproduzidas pelos sites noticiosos brasileiros.
Mas a entrevista em questão foi interessante, revelou coisas sobre o entrevistado que ajudam a compor na cabeça das pessoas a imagem de quem é o fundador do WikiLeaks, afinal. E fala sobre o Brasil. Desde o lançamento dos documentos diplomáticos dos EUA, ele havia dado uma entrevista – uma apenas – a um grande jornal brasileiro. Nada mais.
A coisa ia ficar por aí. Mas Julian topou a ideia de falar direto com o público brasileiro, embora sob a minha mediação. A ideia lhe pareceu interessante. E, de fato, as perguntas diretas do público têm um gostinho mais despachado, mais direto. Ninguém, por exemplo, havia lhe perguntado por que o WikiLeaks trabalha com a grande imprensa. Para os próprios veículos estabelecidos, a resposta é óbvia. Mas nem sempre o é para o público em geral.
A entrevista de Assange foi publicada, simultaneamente, às 10h da manhã, por vinte e três blogs que toparam fazer parte da iniciativa, uma espécie de “blogaço”. A repercussão foi bastante boa, no twitter, no facebook e em diversos blogs. Já os sites de notícia online passaram boa parte do dia ignorando o assunto.
Havia, é claro, certa desconfiança com relação à entrevista – até mesmo dos internautas. Afinal, que critérios seriam usados? Quem garantia que não se tratava de um golpe de marketing do WikiLeaks? E quem é essa tal Natalia Viana para decidir que perguntas seriam feitas, e que a entrevista seria mesmo real? Recebi diversos comentários apontando para isso.
Bom, eu sou eu, jornalista independente que preza o interesse público acima de tudo. Isso vocês já sabem. Ainda está pouco claro na cabeça das pessoas que eu não sou do WikiLeaks, que não faço parte da organização e que mantenho minha posição independente embora esteja colaborando com eles na divulgação dos documentos do Cablegate.
A minha autoridade, nesse caso, é a mesma de um jornalista de uma empresa que é escalado para fazer uma entrevista. E a tarefa, selecionar os melhores tópicos, organizar a entrevista de maneira que fique interessante e “redonda”, editar, traduzir. No meu caso, contei com a ajuda de centenas de leitores deste e de outros blogs.
Qual a diferença? A diferença é que não tem veículo por trás. Nem por isso a entrevista, enquanto produto jornalístico, deixa de ser notícia.
Entretanto, assim ela foi considerada pelos veículos online. Não vejo nisso uma oposição ou má vontade; vejo uma excelente oportunidade de entender como funciona o processo de elaboração das notícias. Como elas nascem.
Ao longo do dia, o blog “Toda Mídia”, do Nelson de Sá, deu. Um jornal de Osasco deu. A Rede Brasil Atual deu. Veículos pequenos, que podem ser considerados “alternativos” – que não é demérito nenhum. A Carta Capital, é claro, deu.
No começo da noite, a agência espanhola “EFE” decidiu dar uma materinha. Citou “uma entrevista realizada por internautas e divulgada nesta quarta-feira pela revista ‘Carta Capital’”. E manchetou: “Assange diz que aceitaria asilo político no Brasil”.
Não demorou muito, e os sites começaram a reproduzir o texto. Com informações da EFE – escritas por um jornalista como eu, mas que trabalha dentro de uma redação – e o logo da EFE embaixo, endossando. O UOL Economia noticiou às 19h44, o Yahoo Notícias também; o Terra e a Época Negócios também. Virou notícia, a entrevista, somente à noite.
A verdade é que ainda predomina, mesmo nos veículos online, o padrão de buscar respaldo em outros veículos e em fontes oficiais. É compreensível, mas não é mais condizente com a maneira como as coisas acontecem. Há uma pluralidade de vozes e fontes que com a internet ganham visibilidade e respaldo público – como aliás, é o próprio caso do WikiLeaks. Não tem volta.
É um enorme desafio separar o joio do trigo. O que não quer dizer que uma boa apuração, critério jornalístico por excelência, não possa resolver esse conflito.
Mas no caso da entrevista de Assange, em vez de buscar apurar se era verdadeira ou não, os veículos online preferiram esperar para ver se alguém dava primeiro. Coube a uma agência espanhola, que acabou ‘furando’ os nossos veículos nacionais. Aliás, ‘furando’ não. No jargão jornalístico, uma informação falsa é chamada de “barriga”. E a matéria da EFE acabou levando todos os sites digitais para uma grande barrigada.
Julian Assange jamais disse que aceitaria asilo político no Brasil. Questionado, disse: “Eu ficaria, é claro, lisonjeado se o Brasil oferecesse ao meu pessoal e a mim asilo político. Nós temos grande apoio do público brasileiro”.
Típica resposta de Julian Assange.
Fonte: http://cartacapitalwikileaks.wordpress.com/
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