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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Duas mulheres alucinadas

A história não é minha, é de um amigo que, por ser casado, teme que pode ter problemas conjugais se eu citar seu nome. Por tanto, trago o relato fidedigno, como me foi exposto, sem, no entanto, citar o nome do meliante (me deves mais uma, Marião).

Duas mulheres alucinadas

A semana tinha sido terrível e naquela sexta-feira tudo o que eu queria era chegar em casa e tomar um uísque com duas pedras de gelo. Por isso atendi com tanta má vontade o telefonema da minha mulher. Eu sabia que ela queria que eu passasse em algum lugar para comprar comida. Ela sempre vence.
Entrei na padaria e, para piorar, havia uma fila considerável.
A situação começou a mudar quando tirei o celular do bolso para atender a ligação da “dona encrenca” – ela ganhou esse apelido carinhoso dos meus amigos -, que queria saber se eu demoraria, porque ela tinha fome. Foi quando percebi um respeitável par de pernas atrás de mim. Disfarçadamente, me virei e vi que não era uma, mais sim duas interessantes mulheres. Uma, a das pernas à mostra, era oriental e aparentava ter pouco mais de 30 anos. Um vestido florido, um sapato vermelho e os cabelos longos e lisos. Era uma mulher bonita, com postura, cara de quem sabe o que quer. A outra, loira, tinha um ar mais tímido, mas era ainda mais bela. Já deveria estar próxima dos 40 anos, mas tinha um corpo admirável (vestia uma calça dessas de ginástica) e os braços torneados – tinha pinta de viver na academia. Disfarcei, como pude, meu diálogo ao telefone. Não queria que percebessem que eu sou casado. No final, troquei o “um beijo” pelo “tchau”, e em um gesto rápido, tirei a aliança e a guardei no bolso da calça, ao mesmo tempo em que devolvia o telefone.
A fila andava em câmera lenta graças a uma senhora que decidiu comprar meia padaria e a um senhor que brigava por que havia pedido 100 gramas de mortadela e recebido 103 gramas. Mas a demora já não me importava. Minha diversão era tentar adivinhar quem eram aquelas mulheres.
De repente, escuto uma perguntar a outra em tom bem baixo, quase num cochicho. “E se a gente fizesse uma loucura hoje?”.Meu coração acelerou. Duas mulheres decididas, maduras, em busca de uma aventura. O que poderia ser? Primeiro pensei que elas poderiam ser um casal de lésbicas e estarem a procura de um homem para satisfazê-las. Eu só precisaria ligar para minha mulher, dizer que meu chefe acabara de me telefonar dizendo que o relatório fora rejeitado e eu teria que voltar para o escritório. Eu havia passado a semana fazendo aquilo. Era a desculpa perfeita.
Minha discrição foi para o espaço e me virei para encarar as duas perversas. Foi quando reparei que ambas tinham alianças na mão. O que poderia ser a tal loucura, então? Pensei que poderiam frequentar casas de swing ou fazer troca de casais entre si. A conversa prosseguiu. “Ah, amiga! A gente merece, não é verdade. Faz tanto tempo que não fazemos.”
Dois casais em um motel, enchendo a cara, se drogando. Se bobear, contratam prostituas e prostitutos e fazem uma verdadeira orgia, imaginei. Foi impossível não pensar na minha mulher em casa esperando pela baguete de catupiry que ela tanto ama. O diálogo entre elas era cada vez mais excitante. ”Dane-se o mundo, as convenções! A gente tem o direito de sentir prazer.”
Eu também estava a ponto de mandar para o espaço as regras sociais e perguntar a elas que loucura planejavam cometer, mas fui importunado pelo atendente: “Pois não, senhor. O que vai levar?”. Pedi a tal baguete de catupiry e fiquei ao lado das mulheres com a desculpa de usar o celular. Eu não poderia sair dali sem saber o que aquelas taradas iriam fazer no sábado à noite enquanto eu e minha mulher , sentados em frente à tv, assistíamos ao Globo Repórter.
Veio, então, a revelação que me trouxe de volta à realidade e me fez amar, novamente, minha mulher. A loira tomou fôlego, olhou decidida para o rapaz atrás do balcão, e falou, sem gaguejar: “Me dá uma torta daquela ali de morango com chantilly.” Vi, nos olhos da morena, o início de um orgasmo.

Henrique de Melo Sabines, mineiro, 30 anos, trabalha na ECT e se dedica à astronomia nos fins de semana. Fã de Drummond, começou a escrever por recomendações médicas. É um dos autores do espaço Cronetas no NR.

Um comentário:

Maíra Sampaio disse...

Henrique, muito bom!!
Eu fui lendo e sentindo a angustia de saber qual seria a loucura também. Não queria parar de ler, e vinha gente me perguntar alguma coisa... respondia rápido pra continuar lendo.
Até mais.

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