- Difícil ser funcionário nesta segunda-feira. Eu te peço conselho, Carlos.
- Chega um tempo em que a vida é uma ordem, João. Trabalhas sem alegria para um mundo caduco…
- Não é lá fora o dia que me deixa assim, é a dor das coisas…
- Teus ombros suportam o mundo, meu caro. E ele não pesa mais que a mão de uma criança.
- Não me sinto correto de gravata de cor, e na cabeça uma moça em forma de lembrança.
- Oh, abre os vidros de loção e abafa o insuportável mau cheiro da memória.
- O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. Comeu minha genealogia, meu endereço.
- De tudo, terrível, fica um pouco: às vezes um botão, às vezes um rato.
- O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta…
- O amor resultou inútil. Os olhos não choram, as mãos tecem apenas o rude trabalho e o coração está seco… E agora, João?
- Não há melhor resposta que o espetáculo da vida…
- Alguns, achando bárbaro o espetáculo, prefeririam (os delicados) morrer.
- Morrer? O amor voltou para comer os anos que as linhas de minha mão asseguravam…
- Chega um tempo em que não adianta morrer.
- Comeu meu silêncio, meu medo da morte!
- O ódio é o melhor de mim. Com ele me salvo e dou a poucos uma esperança mínima.
- Mas Carlos, dessa náusea, como colher a flor?
- Completo silêncio! Paralise os negócios! Garanto que uma flor nasceu. É feia, mas é realmente uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
- Te telefono, Carlos, pedindo conselho…
- Eu não devia te dizer, mas essa lua, esse conhaque botam a gente comovido como o diabo.
Ricardo Viel, jornalista, colunista do NR e do Purgatório. Escreve às segundas.
Um comentário:
Ricardo,
Parabéns!Grande texto!
Postar um comentário
Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.