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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Quem se lixa pro lixo na praia?

Um mal-estar me invade, estou preocupado. Acabo de desligar o telefonema com um amigo querido - aproveitei para me despedir.

Adeus também, caro leitor do NR.

Ainda não tenho o resultado dos exames mas, confirmada a hipótese de minha saúde estar seriamente comprometida, temo não durar mais um mês, até minha próxima colaboração.

É que, como ando procurando atender os apelos de meu corpo, de meu espírito, por uma vida mais equilibrada, mais cheia de paz e energia, meti-me hoje mais cedo a nadar na praia do Porto da Barra - escrevo-lhes desde Salvador.

Vinha já para as últimas braçadas e, como me faltasse o traquejo de nadar no mar, entre uma e outra respirada (estilo peito) acabou-me invadindo goela abaixo uma generosa golada de água salgada.

Nada preocupante se eu não tivesse descoberto horas depois que, a poucos metros dali, a praia do Farol amanhecera inundada por uma mancha imensa de lixo. Uma água preta e fedida sobre a qual boiavam cocos e garrafas e fraldas sujas e sacos plásticos. Sei lá, mas daqui pr’ali, como se costuma dizer, é um pulo.

Pois bem que senti um gostinho de esgoto! E tossi, tossi um bocado - pelo menos botei um tanto de coisa ruim pra fora.

"Cocos, latas de cerveja e copos descartáveis, fraldas
e camisinhas tomavam sol" (Correio/Marina Silva)
Não é esgoto, é só água da chuva que lava a rua, diz nossa empresa de saneamento. Que fosse esgoto até, se fosse essa a única queixa de quem vive por essas plagas.

O que entristece é que a água nojenta empoçada da chuva na praia é só o último dos malfeitos de uma enxurrada de problemas que a cidade vem enfrentando nos últimos anos. Uma crise de zeladoria municipal como há tempos não se via.

Ruas sujas, bueiros entupidos que provocam inundações à primeira gota de chuva, aparelhos coletivos depredados, espaços públicos sendo privatizados na surdina pela própria prefeitura e vereadores, centro histórico sendo tomado pelo crack e fedendo a mijo.

A sensação é de caos, de que as coisas não funcionam, de que qualquer um pode fazer o que bem quer porque ninguém irá se responsabilizar por nada.

Aí, na capa do jornal, estampam assim: “Turistas criticam o estado de abandono de Salvador”. Que se critique, ótimo. Entretanto, de contrabando nessa frase expressa-se a ideia de que Salvador deve estar bem cuidada porque é época de receber os turistas. Feito casa desarrumada, em que se entocam os trambolhos dentro das gavetas porque as visita vai chegar.

Onde o espírito público - tanto de quem joga o lixo na rua quanto de quem deságua o lixo na praia?

Onde o exemplo dos entes públicos aos cidadãos, tão carentes da consciência de que o que é público precisa ser cuidado porque é de todos, e não de ninguém?

Onde o nome do prefeito na matéria do jornal, para ver se ele - se alguém, diabos! - se coça? Porque por enquanto, do jeito que tá, só mesmo quem pega micose na água da praia.

Difícil é por fim entender como, engolindo isso tudo, a Bahia ainda resiste - eis o mistério. Então, adeus nada, caro leitor: acaba que eu sobrevivo.

Ricardo Sangiovanni, jornalista, coordena o blog O Purgatório e mantém no NR a coluna Mistério do Planeta, com um texto mensal toda primeira quarta-feira do mês corrente. 

2 comentários:

Fernando Evangelista disse...

Excelente texto, Sangiovanni. Você escreveu sobre Salvador, mas cabe perfeitamente para Florianópolis.

Ricardo Sangiovanni disse...

Valeu, Fernando! Triste pelas semelhanças em Floripa - que ainda não tive o prazer de conhecer - mas contente por seu comentário. Vamos em frente, abração!

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