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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Divina tragédia

Deus, no verão, trata de esticar os dias; os homens, de os encolher - antiga teima.

Há dez dias sem a Polícia Militar nas ruas da Cidade da Bahia, os expedientes se encerram pelas quatro da tarde, e o povo se apressa no encalço de casa. Aí anoitece mais cedo, os bares ficam sem pé de gente, namorados não passeiam, amigos não se visitam, e na janela faz um silêncio que de tão sombrio faz até o vento ficar frio.

Pois a greve da polícia já dura dez dias. Fossem dez dias que mudassem o mundo, como os daquele livro lá, menos mal. Mas não.

São só dez dias de uma insegurança que emerge mais porque sabe-se da falta de polícia na rua do que pela vinda à tona de uma violência à qual já não estejamos acostumados.

É melancólico que precisemos sentir falta da polícia para nos lembrarmos de sua importância enquanto tampão da verdadeira panela de pressão em que vivemos.

Receita da violência: pelo metal da panela, tome-se o Estado; pelo feijão, a sociedade em ebulição; a polícia fique então sendo a válvula. Pois quando dá defeito na válvula, parceiro, a panela explode: voa feijão pra tudo quanto é lado. Palavras do Capitão Nascimento.

De modo que, desde o início desta greve, 127 já saltaram fora da panela. 127 mortos em dez dias, até agora, enquanto escrevo. Mas, ao que parece, pouco importa: dali, o governo diz que não pode pagar o que os polícias merecem; de lá, os meganhas bradam que não aceitam o que o governo pode pagar - e, de quebra, não se acanham em tocar o terror na cidade, só para marcar presença.

Cabeças-duras, povo de dura cerviz!, diria aquele Deus lá de cima. Povo aliás que esse Deus, o da Bíblia, quis exterminar quando flagrou adorando um bezerro de ouro, justo enquanto Moisés anotava as leis nas tábuas. E só não o fez porque o profeta não deixou: pediu a Deus que lhes poupasse, que lhes desse mais uma chance.

Aí Deus deu. E deu no que deu.

Ricardo Sangiovanni, jornalista, coordena o blog O Purgatório e mantém no NR a coluna Mistério do Planeta, com um texto mensal toda primeira quarta-feira do mês corrente. Escreve de Salvador.

3 comentários:

Fernanda Pompeu disse...

Aí, Ricardo. Texto para lá de bom!

Ricardo Sangiovanni disse...

Querida Fernanda: valeu! Grande beijo!

Anônimo disse...

ricardo, muito bom seu texto. apesar da situação capenga no seu Estado. obrigado, abraço, Fredo Sidarta, SP

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