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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 26 de março de 2012

Ciúmes

Travei dia desses breve, porém acalorado, embate – que por sorte se restringiu ao uso de palavras e gestos – com moça bela, porém, desconfio eu, de coração empedrado (ou mentirosa descarada). Dizia ela que nunca, jamais, havia sentido na vida ciúme; que não sabia o que era isso e não podia entender quando alguém discorria sobre o tema.

A celeuma se deu porque ela dizia isso olhando, com seu par de jabuticabas, nos meus olhos, rosto empedernido, desafiadora, quase irresponsável. Fazia seu discurso justo para mim! Eu, que tenho ciúmes de tudo.

E quando digo tudo é porque meus ciúmes vão muito além desse sentimento bobo e doentio que um namorado sente pela namorada e vice-versa. Esse, de tão banal e corriqueiro, nunca alimentei.

Meu ciúme é verdadeiro, profundo e justificado; o sinto por meus amigos, porque demorei muito para conquista-los e para me deixar ser conquistado por eles. E por isso não os apresento a qualquer pessoa e em qualquer situação.

E quando apresento é porque sei que se entenderão, que criarão rápido e sincero apreço mútuo e que, com sorte, se tornarão amigos – o que provavelmente me gerará algum ciúme bom (sim, ele existe).

E meus ciúmes vão bem mais longe.

Tenho ciúmes de música, de livro, de poesia, de filme, de lugar... Quando descubro que gente besta descobriu e gostou do que descobri e gostei primeiro fico encolerizado, mesmo. Eram meus, faziam parte da minha vida e os compartia parcimoniosamente com os poucos escolhidos, os que fizeram por merecer; e de repente chega um(a) desqualificado(a) e toma meu tesouro?

Expliquei-lhe meus motivos, expus minhas justas justificativas, mas ela, couraça em forma de gente (ou mentirosa contumaz), seguia com sua mirada infame e balançava a cabeça negativamente, fazendo voar seus cabelos castanhos levemente encaracolados e me desconcentrando da tarefa de tentar convence-la.

Pois nada, azar o dela, que enquanto não ganhar minha confiança continuará sem conhecer as músicas, os filmes, os poemas e os amigos que eu mais quero, que esses eu levo bem guardadinhos e não os reparto com qualquer(a).

Mais fácil que a presenteie com meu coração – que esse vira e mexe me roubam ou eu acabo por perdê-lo pelo caminho e tenho que construir outro – que com meus ciúmes. E tenho dito!

Ricardo Viel, jornalista, colunista do Purgatório e do NR, escreve às segundas, direto de Salamanca, Espanha.

Um comentário:

Sara Eduarda disse...

Ultraje a Rigor foi o grupo de homens mais honesto nestes últimos tempos! rsrsrs O ciúmes sempre se apresenta na lista dos nossos maus comportamentos, mas em verdade, ele também alimenta auto estima, exalta nosso apreço por aquilo que desejamos & conquistamos.Eu sou ciumenta, mas disfarço. Assim o ciúmes lembra um mimo, um cuidado...

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