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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Do Comando Vermelho para Jesus

Aquele nome esdrúxulo engarrafado por vogais não me parecia ser oriundo do latin e nem de nenhum outro idioma arcaico. Pedi para repetir e só então me caiu a ficha de que o nome era mesmo aquele. "Audidudima Salles, au seu dispor", se apresentou gentilmente o pastor da igreja evangélica Assembléia de Deus.

Numa outra pauta, semana atrás, fui abordado por um cozinheiro a respeito da vinda do Pastor Salles a São José dos Campos, indagando se não seria conveniente produzir uma matéria sobre ele, ex-integrante da facção criminosa carioca Comando Vermelho. Pensei que seria uma boa oportunidade de conhecer a história de vida de um importante membro do mundo do crime que agora prega a palavra de Deus.

Tudo acertado para uma sexta-feira a noite. O frio corta a avenida central enquanto as palavras firmes do pastor ecoam pela noite a fora. Me aproximo da igreja, que mais parece um salão de eventos, e noto a presença de aproximadamente 60 fiéis. Todos com uma vestimenta semelhante que oscila entre as saias a baixo do joelho das damas e o terno dos rapazes. Entro no culto sendo anunciado pelo pastor Salles: "o colega da imprensa vem prestigiar a casa de Deus nesta noite, amém". Me sinto um peixe fora d'água. Desde pequeno escuto pensamentos comunistas que contrariam a exitência de um Deus. Mas os fiéis parecem contradizer minha crença com tamanha vitalidade que me sinto acanhado.

Naquela noite, Audidudima arrecadou 500 reias de seus fiéis com argumentos como: "A igreja gasta com hotéis, passagens de avião. Se você gosta de ouvir o pastor Salles, este que vos fala, então coçe o bolso e faça sua fé." Aquilo me parecia como um consórcio, um leilão, onde todos depositavam suas economias para pleitear um lugar no céu. Pensei na grandeza e na onipresença das igrejas evangélicas em todo território nacional e relembrei da marca diária de 2 milhões de exemplares que a Folha Universal imprime, deixando para trás todos os maiores jornais do país.

O culto avança e de repente, eu estava distraído com a fisionomia do pastor, mulheres (exclusivamente) iniciam uma espécie de teatro do possuído. Se esparramam pelo chão como se estivessem tomadas por uma força maligna, defendida pela igreja como a dominação do capeta àquele corpo puro. Caretas e contorsões. Uma mulher se debate no chão invocando palavras desconhecidas em português. Pastor Salles se aproxima e com algumas palavras como "saia deste corpo agora" parece exorcizar aquela moça, que se levanta em seguida como se nada tivesse acontecido.

Me lembro dos mágicos charlatões antigos e das peças de teatro que vi em toda minha vida. Mergulho na história de vida defendida pelo pastor, acusado de matar mais de 70 pessoas em sua carreira criminosa. "Eu fui condenado a 300 anos de prisão mas o então presidente da república, Fernando Henrique Cardoso me deu um indulto. Cumpri 10 anos pelos meus crimes e hoje dou palestra no mundo inteiro", conta com orgulho Audidudima. Penso que a Justiça no Brasil é algo extremamente imparcial e volto a fotografar o discurso do pastor responsável por orientar Fernandinho Beira Mar e Escadinha.


Victor Moriyama é repórter fotográfico do Jornal O Vale, em São José dos Campos, cidade que reside atualmente. Mantém a coluna mensal Fotógrafo-escreve.

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