É assim na padaria perto aqui de onde calhou de virmos morar faz pouco tempo. Padaria de gente meio rica, no meio do bairro meio rico onde nos metemos a erguer nosso barraco. De barro – poderia acrescer para render poesia; mas não, ainda bem, não é o caso.
O caso é que a gente que entramos na padaria para comprar o pão de cada dia nem sabemos – ou, se sabemos, nem lembramos – que o caos de bairro onde hoje moramos nasceu bairro-planejado. E privado. Pois a Pituba desta Cidade da Bahia foi um dia desenho de um tal Teodoro Sampaio, memorável engenheiro e pensador baiano, no mapa da gleba de sr. Joventino Silva, que era o dono dessas terras daqui.
Mas a gente que entramos na padaria nem queremos saber desses passados. Afinal lembrar para que, já passou, sr. Joventino já morreu – virou prédio, virou parque – , Teodoro também – virou ponto de ônibus, quando muito avenida lá para os lados de São Paulo, cidade que ajudou a transformar em cidade e que lhe rendeu homenagem – logo quem, um baiano. Pois pouco se lhes dá: eles também não lembramos.
A gente que entramos na padaria queremos é o pão de hoje. Nem que por ele tenhamos que pagar o triplo do preço, que é o custo da crença em que seja pão de qualidade. Nem que tenhamos que ouvir o gerente mulato-branco do estabelecimento bradar com sua patuléia mulato-negra, eles todos numa atrapalhação só, e sermos passados adiante de um para o outro, feito pacote de presunto, até sermos atendidos, e então fecharmos nós a nossa cara para o último da cadeia, que nos atenderá com sua mais ainda fechada cara, da qual por sua vez, tsc tsc, não gostamos nada, porque afinal nós somos o cliente e não queremos saber de cara fechada, que dirá da infame História Universal das Caras Fechadas.
Porque a gente queremos é o pão de hoje. Pão caro e mercadoria quase-podre, tudo nos desce sob a criatividade duvidosa daquelas plaquetinhas milagrosas, que têm o condão de transmutar cereal em mais-que-cereal, biscoito em mais-que-biscoito, molho de tomate em mais-que-molho-de-tomate. A gente quer é sermos diferenciado, a gente pagamos. E o resto que se dane, pois nesse mundo-cão cada um que se valha por si, que passe por cima do que quer que nos cruze o caminho. Importa-nos mais um átimo de alívio, mais ainda se for importado. A gente queremos mais é viver feito átomos.
Atomatados.
Ricardo Sangiovanni, jornalista, coordena o blog O Purgatório e mantém no NR a coluna Mistério do Planeta. Escreve de Salvador.
2 comentários:
Ricardo, que delícia de texto! A gente agradecemos muito. Teodoro Sampaio - que sabia quase tudo de tupi-guarani - deve está sorrindo feliz por ter sido lembrado. A gente somos feitos de memória também.
Valeu, querida ;)
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