por Júnia Puglia ilustração Fernando Vianna*
A gente vai avançando pela casa dos cinquenta (cujo trema foi limado pela última reforma ortográfica) e a pele vai crescendo, sobrando. As dobras vão virando caminhos escavados por todo lado. A cada dia encontro uma pelanca nova, que eu juro que não existia na semana passada. Uma dorzinha aqui, outra ali, e tome aulas de Pilates.
Enquanto isso, a roda vai girando, com destaque para a inédita renúncia do papa mais esperto de todos os tempos (sucedido por um argentino, por la mano de diós) e a morte do caudilho liberticida, endeusado e ainda insepulto. Tem a vergonhosa eleição de um sujeitinho à toa, um mequetrefe nefasto, para um lugar importante de promoção e defesa dos direitos humanos – aqueles que a maioria dos brasileiros ainda interpreta como “argumentos para a proteção de bandidos”, e que estão muito longe de ser prioritários nas preocupações dos políticos, dos governos e de amplos setores da sociedade. Tem, ainda, o goleiro assassino da mãe de seu filho recebendo uma punição que é quase um escárnio e, no meio do caminho, a Avenida Paulista, onde playboys cercados de doutores advogados brincam de mutilar ciclistas pobres.
Aí vem a senhora octogenária me propondo pensar em 2053. O futuro é uma ficção, penso eu, que gosto mesmo é do presente. Mas vamos lá.
Se eu ainda estiver viva, serei uma velhinha bem velhinha, como tantas outras mulheres e homens que terão tido a oportunidade de prolongar muito a vida, em comparação com as gerações anteriores. No embate permanente entre o bem e o mal, segundo a concepção de cada um, espero que aquelas coisas que eu considero “do bem” tenham ocupado mais espaço, e que meus netos, que ainda nem nasceram, e bisnetos, vivam num mundo mais bem preparado para acolher as novas gerações, tanto no terreno da qualidade de vida quanto no das ideias. Que viver lhes seja mais leve. Sonhar ainda não paga imposto.
Quero me sentar numa varanda ensolarada e ampla, acompanhada de algumas pessoas que já vêm vindo comigo há um bocado de tempo, e rir. Lembrar dos nossos medos, das nossas incertezas, fechar o quebra-cabeça das nossas vidas e finalmente entender tudo, ou não entender nada, e rir muito. Talvez chorar um pouco também, mas principalmente rir de tudo, com gosto.
Daqui até lá, espero comer muito arroz com feijão e ovo frito, viajar bastante, me indignar o suficiente com a falta de sentido das coisas, escrever e publicar as minhas lorotas, cultivar meus afetos todos os dias, receber as adversidades como puder e rir, sempre que possível.
* Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto
6 comentários:
Junia, obrigado por mais um ensaio cativante. Você anda lendo pensamento, agora? Sua descrição dos seus oitenta é tão parecida com a minha... Aceita companhia na sua varanda? Eu só pediria incluir no cardápio, além do arroz, feijão e ovo frito, uma calabresinha e batata frita. Abraços alpinos!
Júnia,
Como sempre, belo texto...
Que pena que a tua varanda está distante da minha! Riríamos a valer das tuas inquietações da adolescência e relembraríamos sabores daquela época! beijos e abraços calorosos!
Futurologia barata coisa nenhuma !!! É tão bom sonhar com o futuro do idoso,especialmente quando ainda se é jovem,ou apenas maduro , como vc costuma dizer. É verdade que sonhar não paga imposto (por enquanto )mas eu só sonho com o passado,quando pensava no que seria meu futuro .
Meu apto não tem varanda,não tenho flores no quintal inexistente, nem meus netos ao meu redor. Então é preciso sonhar, mesmo.Sonhar com o presente dos filhos, com o futuro do netos e
bisnetos e realizar, no sonho decada noite bem dormida, aquilo que não corresponde ao sonho do
passado. Daqui a cinquenta anos ??? Serei uma múmia bem conservada em formol....KKKKKKKK
Bejos da mummy Dircim
Que delícia de texto! Lavou minha alma!
Ah, é pra comer arroz, ovo frito e rir muito em tão boas companhias?Por favor, quero uma cadeira cativa nessa varanda.
PARABÉNS! Beijão,
Terê
Minha casa entra em reforma na próxima segunda feira. Ela continuará a ter a varanda que amo. Prometo conservá-la para podermos ficar lá curtindo a essência da existência. Tem lugar para quem quiser chegar.
Texto delicioso! Márcia Ester
Junia, minha querida, posso compartilhar da varanda? O Junin tinha que pedir batata frita, que segundo ele, o descobridor do prato estava em estado de graça no dia. Vamos nos lembrar do Vô e Vó, como era uma conquista quando a Vó permitia que levasse a chave da porta da sala numa saída noturna. Que coisa boa! Boas férias, volte cheia de idéias delíciosas para gente desfrutar aqui! Beijos, saudades de você sempre...Kesia
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