por Cidinha da Silva*
A Veridiana parece uma avenida, é larga que só, até cansa atravessar. Esperávamos o sinal verde para pedestres no cruzamento com a General Jardim.
Do lado oposto ocorria uma cena bastante comum na região, uma dondoca acompanhava um daqueles cachorros artificiais, de pelo desenhado, unhas pintadas, maria chiquinha, óculos escuros, cachecol e outras firulas. Inusitada era a presença de uma garotinha dourada de uns três anos ou pouco mais. Filha da mulher, soubemos depois.
O sinal abriu para nós, finalmente. A mãe do cachorro rearranjou as sacolas de shopping no antebraço, de forma a deixar a mão livre para ajudá-la a colocar o animal no colo. Ainda teve tempo de dar um beijinho nele, antes de dizer para a menina, “vem filha, vem. Segue a mamãe.”
Desceu da calçada para o asfalto, deu três ou quatro passos e olhou para trás para certificar-se de que a filha a acompanhava. A menina não se movia. Ela, carinhosa: “vem filhinha, vem com a mamãe, vem, vem.” A menina olhava para a mãe, para o cachorro que devia ser dela também, para os carros, para a imensidão à frente e ficava do mesmo jeito, empacada.
A mãe andou mais uns cinco passos e disse: “Olha, filhinha a mamãe ta indo. Vem também, fofa!” A menina então abriu o berreiro e começou a sapatear. A mãe compreensiva, explicou à filha e aos passantes que estava com as duas mãos ocupadas, não poderia carregá-la. Ela precisava colaborar, ser boazinha e andar.
Os passantes pareciam estar em choque. Nós estávamos. Ninguém foi despachado o suficiente para oferecer ajuda à senhora. O guarda de trânsito da outra esquina, atento, veio andando e ofereceu a mão para a menina. Ela não aceitou, queria colo. Ele ofereceu o colo. Ela rejeitou. O guarda, paciente, explicou à mãe que a menina parecia querer o colo dela e que talvez fosse bom colocar o cachorro no chão e puxá-lo pela corda.
A mulher, meio brava, argumentou que o cachorro tinha trauma de buzina e havia gente sem coração que parecia ler a mente do bicho e buzinava só para assustá-lo. De mais a mais, ele tinha tomado uma vacina e estava sonolento. Disse ainda que a filha estava ficando muito cheia de vontades. Será que o guarda não poderia ajudá-la carregando as sacolas, ela morava no quarteirão abaixo. O guarda assentiu. A mãe fez um carinho na cabeça da menina e deu-lhe a mão.
O guarda aconselhou à mulher que acelerassem o passo, pois estava juntando gente e multidão, sabe como é...
*escritora, Cidinha da Silva mantém a coluna quinzenal Dublê de Ogum.
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