por Marcos Grinspum Ferraz*
Tom Zé surpreendeu mais uma vez. Surpreendeu, primeiro, por fazer propaganda da Coca-Cola, o que gerou críticas fervorosas nas redes sociais. “Vendido! Americanizado!”, bradaram internautas. Mas surpreendeu ainda mais ao lançar, como uma espécie de resposta às críticas, o EP “Tribunal do Feicebuqui”, (baixe grátis aqui) com cinco faixas criadas a partir da polêmica que surgiu.
Surpreendeu também ao lançar músicas com letras como: “Tom Zé mané/ Baixou o tom/ Baba Baby/ Bebe e baba/ Velho babão”; e ainda ao convidar músicos da novíssima geração paulistana para criar e gravar ao seu lado. Tive o privilégio de participar desse processo (como integrante da banda Trupe Chá de Boldo) e nesta coluna, chamada Verbo Sonoro, não me ocorreu assunto melhor do que o novo trabalho desse incrível “velho babão”.
Liguei para Tom Zé na semana passada e perguntei se ele topava bater um papo para ser publicado no Nota de Rodapé. Aceitou e me pediu para aparecer no dia seguinte pela manhã em sua casa. Lembrei de ele comentar que almoçava às 9h, e fiquei preocupado em atrapalhar seus horários de rotina. Quando cheguei ele logo disse: “Não se preocupe, Marquinhos, já almocei. Pra quem tomou café da manhã às 3h, não tem problema”.
Nota de Rodapé – Você está feliz com o resultado do EP?
Tom Zé – Pra te dizer a verdade, na hora que nós ouvimos as gravações prontas, eu e Neuza (mulher de Tom Zé), foi emocionante, nós achamos lindo, e a Neuza chegou a chorar.
NR – E com a repercussão?
TZ – Sim. O Marcus Preto que é jornalista [idealizador do projeto] me disse que está muito boa a repercussão. E ele tem longa experiência na área. Estou satisfeito. É assim mesmo, esses altos e baixos do psicológico da pessoa.
NR – No Facebook, às vezes, as mesmas pessoas que elogiam num momento detonam em outro. Falam o que der na telha, né?
TZ – Como todos nós, né? Nós mesmos que fazemos música, uma hora a gente fotografa a coisa com os olhos de determinada parte da população. Depois a fotografia é uma observação de outro grupo da população... é mais ou menos assim.
NR – É, mas nas redes sociais, às vezes, tem essa coisa raivosa, um lado meio assustador das pessoas.
TZ – Não, nós todos. Por exemplo, eu não ouço rádio, nem música. Tenho horror à música. Só ouço música de amigos e tal, mas minha inspiração sempre veio mais de situações, de quadros, de teatro ou de outro tipo de arte que não é a própria música. Bom, mas a rádio Cultura FM, por exemplo, toca música erudita. Eu, como passei metade da minha vida no meio de música erudita, e como Beethoven e companhia não concorrem comigo, posso ouvir como se nem fosse música. Já se eu ouço música popular estou ouvindo os concorrentes, estou com o coração palpitando, e a música me ganha. E fica um eterno sofrimento. Então eu ouço música clássica. E quando a rádio Cultura ameaça começar a tocar música popular eu fico em fúria. Se eu fosse deixar minha criança falar ia dizer: “Vão pra puta que pariu! De dois em dois anos vocês inventam essa viadagem atrás de audiência!”. Mas eu não sou o tipo de pessoa que pode fazer isso. Mas as pessoas que podem fazem, é ótimo!
NR – O público se sente meio dono do artista?
TZ – Não, o público conversa, discute. E tem direito, afinal de contas, se abriram os canais de comunicação para uma pessoalidade que antes da internet era impossível.
"Eu acabei me agarrando
em música como tábua
de salvação. Não é que eu nasci
para ser músico, nem sei se eu
tenho vocação para isso"
NR – Mas você ficou chateado ao ler as críticas das pessoas sobre a propaganda da Coca-Cola?
TZ – Não é chateado. Fiquei preocupado, porque tenho o hábito de tentar falar com essas pessoas que me acompanham. Sempre escolho assuntos que possam interessar, tento chamar a atenção pra certos aspectos do mundo moderno. E quando começaram a falar mal, fiquei preocupado. Mas quando gravei a propaganda, eu nem pensei, só me lembrei de futebol, que gosto, que eu joguei... Quis até ser profissional. Sabe, essa loucura de ter esperança em tudo quanto é coisa. Porque eu acabei me agarrando em música como tábua de salvação. Não é que eu nasci para ser músico, nem sei se tenho vocação para isso. Bom, mas eu fiquei preocupado, e postei aquela mensagem [no Facebook], dizendo que eu sempre tinha trabalhado com eles ao meu lado. Aí muita gente passou a me defender, mas uma pequena parte continuou falando mal, dizendo que “era uma coisa estranha”. E foi aí que o Marcus Preto teve essa ideia de chamar vocês [Trupe Chá de Boldo, O Terno, Filarmônica de Pasárgada, Tatá Aeroplano e Emicida] para tocar junto comigo, que foi uma ideia maravilhosa. E teve essa convivência, que é uma coisa alimentadora.
NR – Que coragem chamar esse monte de menino para trabalhar com você...
TZ – Não, menino não. Eu já conhecia. Para mim, é o caso de dizer que o Brasil está em boas mãos. O Ezra Pound [Ezra Weston Loomis Pound foi um poeta, músico e crítico literário americano] disse que quando a poesia começa a enfraquecer em um país, significa que ele vai perder o comando de si próprio. No Brasil, como música talvez seja mais importante ainda que poesia – é a grande expressão cultural, cantada por gente séria e por gente irresponsável como eu –, então a próxima geração tem o país garantido como um país forte.
NR – Você disse que quando era pequeno, as suas tias comunistas falavam para você não tomar Coca-Cola. O que é isso que a Coca-Cola representa para as pessoas?
TZ – Naquele tempo, para uma família comunista como a minha, era o principal símbolo do capitalismo. E qualquer garoto podia comprar com alguns centavos. Na Bahia tinha um concorrente forte, que eram os irmãos Fratelli Vita. Faziam uma gasosa de limão, de pera, de maçã, e um guaraná, que depois foi comprado pela Coca-Cola.
Mas é isso, a Coca-Cola continua sendo um símbolo. Você vê, a guitarra elétrica, em certo momento, foi esse símbolo também, o que é uma estupidez enorme. Vocês se esqueceram que um dos primeiros fabricantes de guitarra surgiu na Bahia? Usavam os fundamentos com os quais, depois, os americanos desenvolveram o instrumento. E mesmo assim teve até uma manifestação contra a guitarra no Brasil. O negócio mais fantástico de que eu já ouvi falar na minha vida...
"Como eu não
sou bom músico, eu
acabei nunca tendo um
estilo próprio (...) É por
isso que falam em
renovação "
NR – Os comentários que tenho lido das pessoas, sobre o novo EP, são sobre como o Tom Zé está sempre surpreendendo, reinventando-se. De onde vem essa inquietação?
TZ – Mas veja bem: se reinventando, não. Primeiro, porque no disco vocês tocam o estilo de vocês, e estou como se fosse um patrono. Segundo, foi o Marcus Preto que teve a ideia, mesmo que em cima de um negócio que eu já tinha feito, que era a “imprensa cantada”. Aliás, o que é EP?
NR – É menor que um disco, tem quatro, cinco faixas...
TZ – Ah, sim. Mas o negócio de se reinventar merece uma resposta. Como eu não sou bom músico, acabei nunca tendo um estilo próprio. Vou fazendo uma coisa que na hora penso que deve ser interessante para a população. Você podia imaginar que eu faria “Estudando o Pagode”? Que eu pudesse fazer um disco de bossa, que eu nem sabia a batida? Ou depois esse disco de tropicalismo? Porque eu pego um assunto e estudo e tento imitar. Então eu não tenho um estilo, é por isso que falam em renovação.
NR – E a ideia agora é fazer um disco?
TZ – Isso. E que a gente possa, de alguma maneira, ir lá em Irará tocar. Ou pelo menos eu, se não der pra levar todos, porque tudo é caro. Eu dei o cachê todo da Coca-Cola lá pra banda de Irará. E a Prefeitura de Irará não tem condições de pagar, é paupérrima.
NR – Aliás, você está sempre falando de Irará, mesmo morando há tanto tempo longe. Irará é a sua base?
TZ – A Neuza diz que eu posso estar em qualquer lugar do mundo, mas que eu não saio de Irará.
*Marcos Grinspum Ferraz, jornalista e saxofonista da banda Trupe Chá de Boldo mantém a coluna mensal Verbo Sonoro, sobre cultura, música e afins.
Um comentário:
Excelente a entrevista. Parabéns ao marcos eao NR.
Tom Zé às vezes erra. Lembro da Virada Cultural de 2006 quando rasgou elogios ao Serra e ao Kassab. Houve um contexto, claro. Mas é difícil achar que ele podia ter deixado omundo sem aquela.
Por outro lado, se fosse a pepsi ou o guaraná Antártica, agrita seria menor.
Que bom que ocauso terminou com música nova.
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