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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O único que eu tinha



por Ricardo Viel, de Lisboa*

Arruinou minha primavera, desapareceu com o meu verão e me encerrou nesse inverno eterno.

E não bastasse esse vazio terrível, vens até mim e decretas uma daquelas frases de sabedoria emprestada:

“Por morrer uma andorinha não acaba a primavera”.

Recitas essa sentença tola, vira as costas, e vais aproveitar a primavera cheia de andorinhas que é a tua vida. E ainda que ficastes, não serias capaz de entender algo tão simples: a andorinha era o único que eu tinha nessa vida. O único. E foi justamente por isso que nela depositei o meu futuro.

E num dia qualquer, sem aviso prévio, vem a Morte e ... Assim, sem mais, contrariando a lógica do nascer, crescer, se reproduzir e só depois, só depois (ouviu bem!), SÓ DEPOIS, desaparecer.

Nem chegou à maturidade. Foi flor de um dia. Morreu nas minhas mãos sem que eu pudesse fazer nada. O coraçãozinho a bater cada vez mais devagar, seu corpinho a se fechar e depois endurecer feito pedra. Nas minhas mãos. Ainda sinto entre os dedos o toque daquelas penas, os pezinhos delicados a fazer-me cocegas, o diminuto bico a massagear meu coração...

“Há muitas andorinhas no mundo. E muitas primaveras por acontecer”.

Pois para mim, não. Já não haverá mais primavera, nem andorinhas, só esse frio que me comprime a alma e esse vento interminável que há muito tempo levou a Esperança, sem que ela tivesse o direito de viver uma única primavera inteira.

*Ricardo Viel, jornalista, atualmente em Lisboa, Portugal, é colunista do NR

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