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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

domingo, 18 de agosto de 2013

10 anos de autonomia Zapatista

por Aleksander Aguilar*

Poucos questionaram o direito deles à indignação. A pobreza na região chegava a quase 60% da população, nas comunidades rurais cerca de 20% das crianças morriam antes de completarem cinco anos de idade e a maioria das famílias não tinha acesso a saúde básica e educação enquanto uma pequena elite controlava as terras agricultáveis em condições semi-feudais.

Nesse contexto, no primeiro dia de 1994 cerca de três mil indígenas, precariamente armados, deram inicio a uma rebelião e tomaram seis cidades em Chiapas, o estado mais ao sul do México. Nos dias seguintes, quase 100 mil pessoas marcharam na capital, Ciudad de Mexico, gritando “¡Somos todos zapatistas”!

[Foto: Moysés Zúñiga Santiago]
Eles fizeram a data da rebelião coincidir com a implementação do NAFTA, o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, entre Canadá, Estados Unidos e México, chamado pelos Zapatistas de “uma sentença de morte”. A estridente oposição ao NAFTA deu aos rebeldes o apoio de organizações da sociedade civil, sindicatos e movimentos sociais de diversas partes do mundo.

São quase 20 anos desde que as marchas por terra e liberdade dos Zapatistas tomaram as montanhas de Chiapas, numa luta de um povo indígena longamente negligenciado na região. São dez anos, desde 2003, de construção de autonomia Zapatista, “sem pedir a permissão de ninguém”, quando os rebeldes cansaram do diálogo surdo com as autoridades mexicanas e abandonaram a política de demandas, e com isso todo o contato com o Estado. No lugar disso, eles preferiram concentrar-se na construção de formas horizontais de auto-governo dentro dos seus próprios territórios e com seus próprios meios, los Caracoles.

Esses dez anos de atividades emancipatórias do projeto Zapatista, que não ignoram o peso das críticas que tem recebido com essa experiência, foram celebrados neste mês de agosto na Escuelita para la Libertad según los Zapatista, em Chiapas.

ESCOLA PARA A LIBERDADE

No dia 9 de agosto de 2003, os Zapatistas anunciaram o nascimento dos seus Caracóis, em número de cinco, cada um com sua própria Junta de Buen Gobierno (JBG) e tendo, assim, responsabilidade pela sua própria Zona Municipal Rebelde de Autonomia Zapatista, que ao total englobam quase 100 mil pessoas. Cada Caracol possui seu próprio posto de saúde autônomo, escola primaria e secundária e envolve-se em pelo menos um dos cinco grandes projetos Zapatistas: saúde, educação, agroecologia, política, e tecnologia da informação.

No ano que a rebelião iniciou, em 1994, o jornal New York Times denominou-a como a “primeira revolução pós-moderna latino-americana”. Muito dessa ideia era marcada pela sua maneira de falar, particularmente nas palavras do rosto-público-fumando-cachimbo da organização, Subcomandante Marcos, que expressava uma postura nova e entusiasta para um grupo insurgente. Diferentemente dos marxistas revolucionários que os precederam, os Zapatistas não falavam com imposições e determinismos, suas mensagens eram mais poesia do que bravatas. Eles apresentavam uma imensa imaginação política e usam desde o inicio da rebelião a internet e as novas tecnologias da comunicação com satisfatório êxito.

Mas desde La Sexta Declaración de la Selva Lacandona, em junho de 2005 (La Sexta), e do começo da La otra campaña, em janeiro de 2006, os Zapatistas estiveram afastados da mídia, numa, denominada pela imprensa, “tática do silêncio” e interpretada por muitos como um enfraquecimento dos rebeldes. Ainda há muita pobreza nas comunidades zapatistas. No entanto, há também conquistas materiais, tangíveis, e não apenas avanços em dignidade e conceitos abstratos.

Os cerca de 1500 ativistas convidados para visitar Chiapas observaram o que foi dedicado neste tempo de distancia dos holofotes. Estudaram e receberam aulas dos próprios indígenas Zapatistas, de três equipes de professores e professoras que contaram com material didático, quatro livros e dois dvd´s, sobre Governo autônomo, participação de mulheres e liberdade, sobre sua experiência com autonomia. Os estudantes foram hospedados pelas próprias famílias nas suas terras e casas para aprenderem como é ser membro de uma base de apoio Zapatista.

Por quê tudo isso?

“¿Será porque acaso intuyen, saben, conocen, que la luz no viene de arriba, sino que nace y se crece desde abajo? ¿Que no es producto de un líder, jefe, caudillo, sabio, sino del común de la gente? ¿Será que en sus cuentas lo grande empieza pequeño y lo que sacude al mundo cada tanto, inicia con apenas un murmullo, quedo, bajo, casi imperceptible? O tal vez imaginan cómo es el estruendo de un mundo cuando se desmorona. Tal vez saben que los mundos nuevos se nacen con los más pequeños.”

Algumas críticas ao Zapatismo consideram os rebeldes uma força desgastada, com grande retórica, mas pequena capacidade, incapaz de projetar-se para alem de suas bases rurais: “O exemplo Zapatista não pode ser seguido em todos os lugares, nós não vivemos nas selvas de Chiapas para criar exércitos rebeldes e comunidades autônomas”. A resposta, porém, é simples: os Zapatistas nunca se projetaram como o modelo a ser copiado. Eles construíram um mundo no qual eles realizaram sua própria visão de liberdade e autonomia, e continuam lutando por um mundo onde outros mundos sejam possíveis, e na celebração de suas experiências convidam o mundo para vê-las.

*Aleksander Aguilar é jornalista, doutorando em Ciência Política e Relações Internacionais, candidato a escritor, e viajante à Ítaca, especial para o Nota de Rodapé

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