.

.
30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

É difícil abandonar


por Fernanda Pompeu ilustração Fernando Carvall*

Mesmo quando você já se convenceu que uma determinada inovação facilita sua vida. Mesmo quando você migrou para um novo ambiente de fazer as coisas. Mesmo assim, parece tão custoso deixar hábitos, procedimentos, protocolos.

Acho que é por conta do coração. Por causa de um sentimento chamado afetividade. Pois somos, numa conta grosseira, 50% razão, 50% emoção. A segunda é mais lenta e profunda do que a primeira. Para sair do lugar, ela precisa de uma experiência além-René Descartes.

Também por isso o discurso muda mais rápido do que o comportamento. O povo sempre soube no seu adágio: falar é fácil, difícil é fazer. A encrenca não está em abraçar o novo, reside em abandonar o velho.

Porque amamos o antigo. Ele foi nosso companheiro e garantiu, no passado, alguma alegria e um punhado de sucesso. Por exemplo, eu sei que usar um editor de textos é mais prático e simples do que escrever no Word. Este é pesadão e cheio de firulas que nunca precisamos.

Mas como dizer adeus? Como deletar o programa? Vem à mente tantos textos tricotados com a linha e a agulha wordianas. O afeto que se insere no processador que te ajudou a escrever aquela crônica ótima, que te auxiliou a melhorar as médias. Te encorajou a refazer as muito ruins.

A trava que segura a mudança se faz presente para lá do comezinho. Ela vai do menor para o maior. Do privado para o púbico. Pois tudo está conectado: a insistência em usar o Word e a perplexidade com os últimos protestos de rua.

A razão nos faz compreender que as recentes manifestações dos indignados brasileiros se expressam em um novo formato de reivindicar. Formato sem palanques, sem líderes, sem partidos, sem sindicatos. Uma pauta mais difusa, utópica, solta até. Chamamentos e mobilizações em redes sociais.

No entanto o afeto, ao menos para os maiores de cinquenta anos, está ligado a um outro padrão de fazer política. Ligado ao voto, à supremacia da maioria, às decisões tiradas em assembleias, à mesa de notáveis, ao fla-flu das tendências e partidos políticos.

É claro que eu compreendo o que está acontecendo. Quero dizer, mais ou menos. Uma vez que o cérebro chega antes do que a emoção. O que alimenta um sentimento? A memória, com certeza.

Recordo da minha juventude. Das passeatas, palavras de ordem, dos meus queridos e queridas da Liberdade & Luta. Lembro que acreditávamos em Trótski e no Mick Jagger. No centralismo democrático e no amor livre.

Foi tanta vida! Sufoco só de invocá-la. Mas, mulher madura, me esforço para acompanhar as inovações. Dobro a atenção para ouvir a garotada. Mas tudo o que quero, e espero, é que ela me toque o coração.

*fernanda pompeu, webcronista do Yahoo e do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Ilustração de Fernando Carvall, especial para o texto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.

Web Analytics