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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Luz de maio


por Júnia Puglia   ilustração Fernando Vianna*

Todo mundo que se dedica a escrever já falou sobre a angústia de encarar a folha em branco, quero dizer, a tela vazia. Seja para uma crônica semanal ou um romance de quinhentas páginas, de algum jeito tem que começar, e a primeira letrinha é um sofrimento danado. Acabei de ler um cronista da Folha descrevendo a luta para cumprir o prazo e encher a tela com algo que prenda a atenção e dialogue com o leitor. Além de vencer o branco, queremos ser lidos. É assim: quem escreve quer ser lido, quem compõe ou canta quer ser ouvido, quem atua quer plateia, e por aí vai. Somos carentes crônicos, sem trocadilho.

Croniqueiros como eu lidam com um ser amorfo, indefinido, o ilustríssimo senhor leitor. Partimos do princípio de que nossos causos, impressões e comentários podem interessar a outras pessoas. Além dos gatos pingados de familiares e amigos, que, aliás, dão a maior força, estão os muitos que não conhecemos, não temos ideia de quem sejam, mas que dormem, acordam, sentem, comem, se vestem, tomam banho, trabalham, reclamam, gostam, desgostam, amam mais ou menos, como a gente, como todo mundo. Pensamos nelas o tempo todo, se vão gostar de ler sobre o papo ouvido no caixa do supermercado ou alguma lembrança que nos vem à memória enquanto dirigimos.

Webcronistas – nome chique à beça, que me foi apresentado pela Fernanda Pompeu – que somos, conversamos com um ser ainda mais indefinido, que é o fuçador do espaço virtual. Se antes os periódicos impressos podiam fazer um mapeio mais ou menos confiável de quem eram e onde estavam as pessoas que os compravam, liam e compartilhavam com a família, vizinhos, amigos e colegas, hoje o que postamos na internet fica lá, disponível para quem fala brasileiro, em qualquer canto desse mundão, e tem acesso a um equipamento conectado à internet, a qualquer momento. O prazo de validade fica por conta do freguês. De minha parte, não tenho a menor ideia de até onde chegam as maltraçadas linhas que publico aqui. Será que alguém me lê em Belém, Frankfurt, Nazaré das Farinhas ou Passo Fundo? Em Cingapura, Maputo, Alexânia ou Guadalajara?

Não bastassem as minhas caraminholas, o Fernando Vianna, de cujo coração ilustrador tenho a sorte de me valer, me manda uma mensagem choramingando que eu devia escrever também sobre a angústia de quem tem que encontrar uma imagem para um texto, dentro do prazo, evidentemente. Um carente ilustre.

Mas eu queria mesmo era falar da luz de maio. Findos a chuvarada e o calor, minhas narinas captam o que já chegou também às pontas dos dedos, este frescor no ar. Os dias brilham uma luz de incomparável transparência, se exibindo aos nossos olhos ofuscados, nesse azul desembestado que ocupa todo o espaço visível das portas e janelas para fora. Dias impecáveis, noites frescas de céu limpíssimo, dá até pra dormir de cobertor. É maio no miolo do Brasil, minha gente!

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Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto. Emails para esta coluna devem ser enviados a: deumtudocronicas@gmail.com

2 comentários:

disse...

O sorriso fácil, não convidado, impossível de esconder, aparece quase todas as vezes que leio suas crônicas. Pura delícia! Tâ

Anônimo disse...

Web-leitor feliz, sim, por que não ? Mesmo à distância, posso sentir a leveza de sua pena, ou melhor, de seu computador. (Sou do tempo em que se usava caneta para escrever). A clareza do texto nos traz tranquilidade e harmonia no meio de um mundo cada dia mais turbulento. Beijos da Mummy Dircim

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