Histórias de pessoas de carne e osso - e também de personagens de papel - que viveram na roda viva da ditadura militar. Novos episódios toda quinta-feira.
(Episódio 6)
por Fernanda Pompeu ilustração Fernando Carvall
O casal era clandestino. Ele, um dos sujeitos mais procurados pela repressão. Tipo inimigo número 1 da ditadura. Ela, companheira de luta e de vida. O Doi-Codi tinha o sonho sádico de sentar os dois na cadeira do dragão.
Daí, imaginem.
Ele punha e raspava o bigode. Ora era loiro, ora ruivo. Sempre de calças Lee e camisetas Hering. Assim passava por estudante, contador, eletricista, auxiliar de escritório. A ordem era ser o mais comum dos comuns dos mortais.
Ela usava vestidos compridos e sem decotes. Também portava discreto óculos escuros para esconder seus olhos azuis. Os brasileiros costumam guardar feições de pessoas com olhos claros, pois é raro.
O casal mudava constantemente de endereço. Moraram na Lapa, na Penha, na Capela do Socorro, no Centro da cidade, no Butantã, no Largo da Concórdia. Em cada casa atendiam por um nome. Antonio, Sérgio, Eliseu, Roberto, Sidinei, Valter. Cláudia, Cristina, Ana, Alice, Vilma, Irene.
Apesar de originalmente expansivos, evitavam como podiam a curiosidade dos vizinhos. Ele saía às seis da manhã e só retornava depois das vinte e duas. Ela cozinhava, lavava, passava sem abrir as janelas. Rádio, ouvia bem baixinho.
O som é sempre um problema, uma vez que diz muito sobre os indivíduos. Ela gostava de rir gostoso, baianamente. Um dia, ele contou uma piada inteligente, engraçada. Ela gargalhou.
Ele então a repreendeu:
- Não faça assim! Você deve rir o mínimo. As pessoas reparam muito em gente alegre.
Ela então recolheu o sorriso. Deixou para soltar a gargalhada quando o Brasil se tornasse comunista.
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Fernanda Pompeu é escritora e redatora. Fernando Carvall é o homem da arte.
Um comentário:
Então foi prá ela que Caetano cantou 'quero ver Irene dar sua risada!'
Marisa
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