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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 6 de junho de 2014

A mala de bordo

por Júnia Puglia      ilustração Fernando Vianna*

 Desembarquei preocupada com a minha mala de bordo, que havia sido despachada da porta do avião para o porão, devido à falta de espaço nos bagageiros, entupidos pelos passageiros folgados, que sabem muito bem porque têm pressa de embarcar. Nela estavam o computador e alguma tralha eletrônica, que tinha que chegar intacta, e que eu sempre carrego comigo. Demorou um pouco, mas ela voltou pra mim. Caminhei até os guichês da imigração, com suas filas de praxe. Ao me aproximar, uma funcionária me indicou uma fila separada da multidão. Perguntei por que e ela, muito espantada, explicou que aquela era a fila das prioridades, e que seria melhor pra mim ficar ali. Pra mim e para a moça dos pés visivelmente prejudicados, apoiada em duas muletas. Pensei em argumentar que nada fazia de mim uma prioridade, cheguei a iniciar uma frase, mas logo desisti. Ela estava muito decidida.

Desejosa de mastigar comida de verdade, entrei num restaurante de autosserviço, pensando no que acabara de acontecer. Enquanto eu empurrava a tal mala, que tem alça e quatro rodinhas, e ao mesmo tempo equilibrava uma bandeja, um rapaz se aproximou perguntando se eu precisava de ajuda. Antes que eu respondesse, apossou-se da minha bandeja, de maneira delicada mas firme, e me acompanhou pelos balcões de alimentos, passamos pelo caixa e ele a depositou sobre uma das mesas livres, acrescentando, todo sorrisos: “a senhora não se preocupe com nada, fique à vontade; depois eu recolho tudo”. Percebi que ele usava uniforme do local. Que eu tenha visto, não acudiu mais ninguém, nem as três mulheres ao meu lado, cada uma com um bebê de colo e respectiva bagagem.

Mais umas duas horas esperando o voo de conexão, numa sala de embarque abarrotada, como de hábito. Chamaram o meu voo, embarque remoto. Entrei no ônibus com a bendita mala, desci do ônibus junto à escada do avião. Um rapaz com cara de trinta anos se aproximou: a senhora quer ajuda para subir a mala? Caramba! Eu, tentando não morder o cara: não, obrigada, eu ainda sou fortinha. Ele, simpático: é, eu já havia percebido; minha mãe não faria o que a senhora está fazendo.

Tudo num dia só. Comecei a achar que uma febre de gentileza havia acometido nossa linda juventude durante os treze dias da minha viagem. Ou que talvez a proximidade da Copa do Mundo esteja mexendo demais com os nossos miolos já combalidos por um período de preparação pra lá de animado. Outras possibilidades surgiram e foram rapidamente descartadas, até que se fez a luz: foi a mala que, mesmo com alça, rodinhas e peso apropriado, tocou nos corações sensíveis e os fez me verem com tanta ternura. Não consigo pensar em outra hipótese.

* * * * * *

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto. Emails para esta coluna devem ser enviados a: deumtudocronicas@gmail.com

6 comentários:

Anônimo disse...

Junia Puglia, bom dia!!! deveras intrigante!!! Olga Ronchi

Elezer Jr. disse...

Junia,

Na minha experiência ao longo dos últimos meses, em que tenho tido que viajar como nunca na minha vida pela Europa afora, venho sendo "vítima" dessa mesma síndrome. E desconfio que sei porque, mas hesito mencionar a razão suspeita, pra fazer de conta que ainda tenho 40 anos e as pessoas são mesmo apenas muito educadas...

Anônimo disse...

querida mestra. Há uns bons anos acontece comigo em viagens...Nem me
passa pela cabeça que pode ser outra coisa do que a excelente educação de nossos jovens!!! Bom, talvez meus cabelos brancos....Saudades...bjs.nair

Anônimo disse...

Será que aconteceu no Brasil ? Ótimo , se foi. Nossa juventude está, mesmo, mais educada. Acontece sempre comigo...........aos 0itenta e um anos !!!!!!!! KKKKKKKKKKKKKKKKKK
Beijos da Mummy Dircim

Anônimo disse...

Ju,comigo isso seria compeensível - embora eu nem seja agraciada assim com tamanhas gentilezas-,mas, com vc,somente porque vc deve ser uma baita sortuda!!! É relaxar e gozar...
Terê

Anônimo disse...

Bravo Junia!!!
Myriam me dió a conocer tu columna... y es genial!!!
un abrazo desde Bilbaoooooo,
Jaione

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