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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Letra e forma


por Celso Vicenzi*

Ganhei de presente de aniversário, do Vinicius, meu filho, uma caneta com ponta de metal e pena de ave. “Para inspirar sua escrita e seus pensamentos, hoje e sempre”, escreveu-me num cartão com letra vacilante, igual à do pai. Sofri muito, quando criança, por causa da minha caligrafia. De tanto ouvir reclamações, passei a escrever em letra de forma. Não adiantou muito.

A arte de traçar belas letras se perdeu no tempo. Hoje está em extinção. Alguns poucos calígrafos ainda vivem do ofício de escrever convites, diplomas e outras peças com requintes de elegância e suavidade. A letra cursiva esteve presente na história da humanidade desde a invenção do alfabeto – que para ironia dos “especialistas”, como disse Millôr, foi inventado “por um analfabeto”.

A história da escrita é fascinante e merece ser conhecida nesses tempos em que tudo precisa ser executado às pressas e o diferente cede lugar à uniformidade. Da alimentação à música, das festas à arte, tudo aquilo que é mais peculiar a um povo vai cedendo lugar à massificação dos conteúdos e à difusão de práticas que atendem aos interesses da indústria cultural.

E já que os tempos são outros, procure na internet por “Livro de Horas”, um gênero medieval que continha orações e salmos para várias horas do dia e que eram obras realçadas por iluminuras (pinturas ornamentais). É de encher os olhos e a alma. Outros livros antigos eram elaborados com grande requinte. Impossível não admirar a habilidade de calígrafos que, com um simples movimento da mão, preenchiam pele, papiro ou papel com traços finos, médios e grossos numa única letra e iam compondo textos de admirável formosura. Arte de um treinado improviso, em que não era permitido errar. Livros inteiros eram copiados por monges em letra impecável, acrescidos às margens de deslumbrantes mosaicos de cores e desenhos.

E antes que você caro leitor, cara leitora, antenado(a) no que há de mais moderno, considerem esta prosa arcaica e sem valor, vale a pena prestar atenção em estudo publicado na revista Psychological Science. A pesquisa, realizada por duas universidades americanas constatou que tomar notas no papel é melhor para a memorização de conceitos do que digitar em notebook ou tablet, por exemplo. Uma possível explicação é que as pessoas que anotam à mão precisam selecionar melhor o que vai para o papel. Ou seja, se você quer uma mãozinha para passar no vestibular ou em outro concurso, a escrita à moda antiga, com boa ou má caligrafia, pode ser fundamental.

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Celso Vicenzi, jornalista, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, com atuação em rádio, TV, jornal, revista e assessoria de imprensa. Prêmio Esso de Ciência e Tecnologia. Autor de “Gol é Orgasmo”, com ilustrações de Paulo Caruso, editora Unisul. Escreve humor no tuíter @celso_vicenzi. “Tantos anos como autodidata me transformaram nisso que hoje sou: um autoignorante!”. Mantém no NR a coluna Letras e Caracteres.

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