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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Foco


por Júnia Puglia   ilustração Fernando Vianna*

 A quantidade de informação produzida durante a última campanha eleitoral deu para deixar qualquer um desorientado. Não vou sequer tentar alinhavar tudo o foi dito, publicado, impresso, compartilhado, gravado, bisbilhotado, investigado, inventado, camuflado, enfeitado, exagerado, revelado e ocultado. Ao mesmo tempo em que muita gente se pergunta qual o sentido de tudo isto e se era realmente necessário, temos que lidar com o depois, a ressaca, os ressentimentos e desavenças, as mentiras, as cobranças, o alívio de uns e a frustração de outros.

Acontece que lá, bem no centro do redemoinho, permanecem os temas que exigem ser vistos, abordados e resolvidos. São muitos, mas nem sobre eles vou me deter. Qualquer pessoa que não tenha acabado de desembarcar de Marte os conhece, lá à sua maneira, e, de resto, já tem gente demais alugando nossos ouvidos e miolos com o rescaldo da campanha e do resultado das eleições. Para mal ou para bem, não sou dada a argumentos altruístas e mensagens edificantes. Apenas penso aqui com os meus botões algumas coisas que às vezes tenho vontade de compartilhar.

Tempos atrás, fui a uma festa de casamento nos arredores de Bruxelas. A animação ia já avançando pela fria madrugada. Como criatura diurna que sou, saí em busca de um transporte que me devolvesse ao quarto quente do hotel com sua boa cama, e consegui uma carona com o casal de fotógrafos, já dispensado da tarefa. Ele vietnamita, ela belga. No trajeto de quase uma hora, conversávamos sobre a Bélgica e a secular disputa entre flamengos e valões, que estava novamente em temperatura acima do recomendável. A questão, com viés separatista, envolve poder político e econômico, um lado reclamando que o outro tem privilégios, recebe mais atenção e investimentos e tem maior presença nos mecanismos de poder. Comentávamos, ele e eu, como nos soava absurdo, quase ridículo, que ali houvesse gente brigando por eventuais desequilíbrios na divisão do muito que há para ser desfrutado na Europa central, em termos de dinheiro, oportunidades, conforto e bem estar. Ele, então, disse: a única explicação que encontro para isto é que, quando não há grandes problemas a resolver ou enormes dificuldades a superar, as pessoas as inventam.

Nós aqui não precisamos procurar, nem inventar – como esse papo de país dividido, valhamedeus! E se de enfrentar problemas como motivação para a vida se trata, o nosso cardápio é extenso, e de tédio não morreremos. Expressar a nossa indignação e colocar energia para atacar ou defender candidatos na disputa democrática é apenas o começo. Seria um enorme adianto se, contentes ou contrariados com o quadro político, colocássemos toda essa vibração na busca e na cobrança das soluções de que tanto precisamos. Vambora ajustar o foco?

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Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto. Emails para esta coluna devem ser enviados a: deumtudocronicas@gmail.com

Um comentário:

Nômades pelo mundo. Marina e Edison. disse...

Vamobora, Junia Puglia!

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