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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Réquiem caboclo

1964 + 50
 Histórias de pessoas de carne e osso – e também de personagens de papel – que viveram na roda viva da ditadura militar. Episódios quinzenais toda quinta-feira.

(episódio 21)

por Fernanda Pompeu   ilustração Fernando Carvall

Na manhã do 24 de agosto de 1954, Getúlio Dornelles Vargas atirou contra o próprio peito obtendo 100% de resultado, se tornando um estraga-prazeres, uma mala sem alça, uma pedra no sapato, um estorvo para militares e políticos que estavam prontinhos para surrupiar a presidência da República e sentar seus respeitáveis traseiros nas cadeiras do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.

Antes do tiro, a oposição tinha razão em acreditar que havia encurralado o pai-dos-pobres, a esfinge-dos-pampas, o velho, a raposa. Carlos Lacerda, o Corvo, não dava trégua. Acusava Getúlio de ser o mandante do atentado contra sua vida, que matou o major da aeronáutica Rubens Vaz. Este fazia a vez de segurança de Lacerda. O episódio ficou conhecido como o Atentado da Rua Tonelero, em Copacabana.

A oposição ao Raposa, liderada pelo Corvo, investigou parentes, auxiliares, e principalmente o chefe da guarda pessoal de Getúlio, Gregório Fortunato, que por seu cargo e cor da pele era chamado de o Anjo Negro. Os interrogatórios aconteciam na base área do Galeão, melhor dito, na República do Galeão - por conta do poder concentrado.

Também pipocaram denúncias de corrupção e arrepios da lei. Irmão, filho, genro, dono de jornal foram para a frigideira. É claro que o alvo era o presidente, mas no final não conseguiram provar sua participação em nada. Ao menos, não diretamente. Porém o estrago estava feito.

Hoje, há quem analise que a grande carta do jogo era a recém-criada Petrobras e o projeto da Eletrobras. Evidente que Getúlio Vargas queria uma petrolífera estatizada. Já altas patentes militares, grandes empresários, o Corvo, vários políticos desejavam um modelo aberto ao capital privado e, principalmente, ao capital americano. Argumentavam: “Tupiniquins não são capazes de gerir empresas complexas”.

O Brasil é complicado, mas sua elite política é simples. Ela sempre esteve dividida entre entreguistas e nacionalistas, pró-americanos e pró-cubanos, Miami e Paris, esquerda e direita. Sendo que em todos os governos, com variação de grau, o povo raramente é consultado para as grandes mudanças.

Aliás, no dia seguinte ao suicídio de Getúlio e após a divulgação de sua carta-testamento, finalmente o povo subiu ao palco. Sem pedir licença. Uma multidão chorou a cântaros a morte do três-em-um: revolucionário, ditador, democrata. Rapidamente o clima político favorecendo um Golpe se desfez. O presidente se tornou mártir. Com mitos não se brinca.Os golpistas tiveram esperar por dez anos.

Nesse ínterim, tiveram JK e Brasília, Jânio e a renúncia, Jango e as reformas de base. Até que, num quartel em Minas Gerais, um general tocou a corneta da alvorada de 1964. Tempo que voa. Todas as personagens dessa crônica: corvo, anjo, raposa, generais, presidentes, ditadores estão mortos. O único que segue vivo é a nossa vontade de saber e de contar.

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Fernanda Pompeu é escritora e redatora. Fernando Carvall é o homem da arte.

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