por Fernando Evangelista*
As seis letras estavam grudadas no vidro traseiro do fusca: vida ok.
Eliza estava no trânsito, viu o fusca e não esqueceu aquele adesivo. Alguns dias depois, no sofá da minha casa, já tarde da noite, ela me disse:
– O dono do carro poderia ter escolhido aquelas lições de autoajuda ou gratidões religiosas. Preferiu a simplicidade.
– Tá, e daí?
– Daí nada.
Mas mudou de ideia, tomou um gole do vinho tinto, e se corrigiu:
– Daí tudo – ela disse – porque, em primeiro lugar, é muito difícil ser objetivo e simples. A gente tem a tendência de complicar as coisas. E também porque é assim que deve ser a vida, pelo menos a vida que procuro ter: curta nas explicações e infinita nos sentidos.
Ela esticou as pernas no sofá – sempre que se põe a filosofar ela estica as pernas – e continuou:
– Uma vida ok nas miudezas da rotina, simples no banal e no desimportante e, por isso mesmo, extraordinária. Tô viajando, né?”.
A viagem dela me fez pensar nas minhas crônicas e reportagens. Queria, sempre quis, e falei isso pra ela, produzir textos como o adesivo do fusca. Certeiros, sem firulas ou truques. Nunca consegui.
Citei Drummond em Confissões de Minas: – “certos espíritos dificilmente admitem que uma coisa simples possa ser bela, e menos ainda que uma coisa bela é, necessariamente, simples”.
A partir daí, pensando em voz alta, e nem um pouco impressionada com minha memória literária, ela juntou tudo e me confundiu, como de costume:
– No fundo, por alguns anos, andei procurando um amor que me levasse e um texto que me escrevesse e que ambos – amor e texto – deixassem a minha vida mais ok.
Não sabia a qual texto ela estava se referindo, supôs que estivesse falando da própria história.
– É tudo uma maneira de ver, entende? Quando menina, li uma frase assim: ‘Não vemos as coisas como são, mas como somos'. De quem será essa frase?
Eu não sabia. Ela continuou:
– Quando parei de procurar, encontrei. Não é louco isso?
– .....
– É louco ou não? – ela insistiu
– É – respondi.
Depois de algum tempo em silêncio, perguntei se ela estava bem. Eliza encolheu as pernas, tomou mais um gole de vinho, levantou as sobrancelhas e disse, sorrindo:
–Tudo ok.
E adormeceu no sofá.
* * * * * *
Fernando Evangelista escreve as terças no Nota de Rodapé. Foto: arquivo do autor.
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