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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

terça-feira, 11 de agosto de 2015

A pessoa certa

por Fernando Evangelista*

Quando entrei, as duas já estavam no elevador. Cumprimentei a senhora, cumprimentei a adolescente, e me pus no canto, fingindo interesse na luz que pulava de botão em botão: 7º andar, 6º, 5º, 4º... de repente o elevador tremeu, ficou escuro e parou.  

– Droga – eu disse. 

A adolescente resmungou alguma coisa indecifrável e apertou o botão da emergência, o único iluminado. Como não houve resposta, insistiu e ficou nisso por alguns segundos. 
         
Uma voz mal-humorada ecoou pelo interfone. Devia ser o porteiro. 

– Que é?   

– Estamos trancados no elevador – eu disse.   

– Outra vez? Que porcaria. Espera aí, vou ver o que posso fazer.

A luz interna voltou, mas bem fraquinha. Olhei a adolescente – era alta, magra, morena, com dois piercings espetados na sobrancelha esquerda. A senhora, de cabelos brancos, vestida toda de preto, devia ter uns 80 anos.  

Foi nesse tempo, à espera de ajuda, que a neta fez a pergunta, como se as duas estivessem sozinhas:

– Vó, como a gente reconhece a pessoa certa?  

Vasculhei meus bolsos à procura de alguma bala ou chiclete. Achei só o celular, sem serviço e quase sem bateria. “Pessoa certa? Isso lá é pergunta que se faça, menina? ” 

No elevador, até onde sei, quando vizinhos ou colegas de trabalho se encontram, são bem-vindos cumprimentos formais, frases curtas sobre a chuva da véspera e a previsão do tempo para o fim de semana. Comentários sobre futebol, desde que sem polêmicas ou agressões, também são aceitos. E mesmo entre familiares, não cabem assuntos graves, como esses dilemas amorosos.  
  
Talvez a avó tenha pensado a mesma coisa porque rebateu a questão.  

– Pessoa certa pra que, minha filha? 

– Pra namorar. 

Olhei para o chão, para os botões do painel e outra vez para o celular sem sinal. 

– Só conheço um jeito – disse a senhora.

– E qual é? 

A resposta da velha me surpreendeu: 

– Experimentando. 

Pronto, o papo poderia parar por aí. A neta, porém, queria mais.
– Como a vó soube que o vô Luís era o par ideal, a alma gêmea, o grande amor?

Tinha algo de irreal aquela situação.  

– Isso é complicado, minha filha – disse a mulher.    

As duas ficaram em silêncio por um tempo. Depois a adolescente voltou a perguntar.    


– Como a vó soube que ele era a pessoa certa?

A mulher entendeu que se não desse uma reposta, a neta ficaria insistindo até o fim dos tempos. Então, pensou um pouco e falou: 

– Eu soube que o teu avô era o homem da minha vida porque, desde o começo, ele despertou sentimentos bons em mim. Ele me inspirava, me respeitava, me fazia rir à toa.

O elevador, finalmente, voltou a funcionar e chegamos sãos e salvos ao térreo. Agradeci ao porteiro, plantado em frente à porta, com cara de tédio e de poucos amigos. Avó e neta foram para um lado, eu fui para outro.   

Parei na padaria da esquina, pedi papel, caneta e escrevi: “Ele me inspirava, me respeitava, me fazia rir à toa”. 

Escrevi porque a frase poderia render uma crônica. Escrevi também, e principalmente, para não me esquecer. 

Para nunca mais me esquecer.  


Fernando Evangelista, jornalista, mantém a coluna semanal Desacato

Um comentário:

Anônimo disse...

Ótima crônica. Será que um dia vou encontrar um vô Luis, alguém que me inspire e me respeite? Alguém aí se habilita? ahahahahah ( estou brincando). Parabéns ao Nota de Rodapé pelo trabalho. abraços, Danielle Martins ( Floripa).

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