Como mencionei na coluna anterior, alguns chefes acham que algumas pautas são importantes porque nunca andaram de ônibus e nem a pé. A dos aeroportos é uma delas. Basta cair uma gota que lá se vai um repórter para Congonhas para mais um episódio de “Como sofre essa classe média”. Pode haver um atrasinho de nada, mas não será difícil encontrar algum candidato ao choro em rede nacional porque faz três horas que tenta embarcar para férias em Miami, Madrid ou Bahrein.
A CBN está preocupada com essa gente. E resolveu dedicar sua “Charge do dia”, espaço de texto editorializado e quase sempre de tom político, para contar os problemas de quem passa pelo aeroporto. Na visão da rádio do Grupo Globo, os aeroportos, como agora há mais gente viajando, “mais se parecem com terminais rodoviários”. A emissora carioca entende que terminais rodoviários têm banheiros sujos, pátios lotados, atrasos – isso está expresso no texto, bem como a fala do presidente Lula ressaltando que mais pobres estão viajando de avião. Aeroportos não podem ser assim. Há gente passando horas na fila na tentativa de embarcar, veja que drama. É muito, mesmo se comparado a quem passa anos na fila de transplante ou na espera das mais diversas cirurgias. Como sofre essa gente.
Ao fazer a comparação entre aeroportos e rodoviárias, o texto, lido por Heródoto Barbeiro na terça-feira (6), conclui com o famoso “Nada contra”. Não sei a que o “Nada contra” remete ao leitor. A mim, lembra uma pessoa que conta uma piada racista, machista ou homofóbica e, ao concluir, manda o tradicional “Nada contra, cada um com seus problemas”. Claro, afinal ser mulher, negro ou homossexual é um problema, todos sabemos desde sempre, e falamos esse “Nada contra” como forma de expressar que não temos absolutamente nenhum preconceito, imagina só.
Ao ouvir a charge da CBN, lembrei-me imediatamente de um texto da edição 42 da Revista Piauí, de fevereiro último. Não acompanho a boa revista desde o começo, mas tenho certeza de que se trata dos mais infelizes relatos da história da publicação. “Safári sonoro em Congonhas” narra as “aventuras” de uma típica representante da classe alta que está incomodada com o aumento do número de pobres nos aeroportos. Ao reclamar da poluição sonora em Congonhas, a autora sai-se com a seguinte afirmação: “São brasileiros das classes C e D que estrearam no turismo aéreo. É para eles que a Gol mantém a frequência das três chamadas, sem contar os incontáveis apelos individuais aos retardatários perdidos pelo saguão. A empresa não tem dúvida de que esse segmento ainda precisa de colo e não se aborrece com a barulheira”.
Essa preocupação toda com os aeroportos, como disse antes, reflete a falta de preocupação com quem está no ônibus. Trabalhei em uma infeliz rádio que dava à exaustão o índice de atrasos nos vôos em tudo quanto é canto. Oras, não seria mais útil dar o índice de atraso no terminal Santo Amaro, por onde passam dezenas de milhares, talvez mais de um milhão de pessoas por dia?
“Aqui no Terminal Santo Amaro, 30 das 90 saídas previstas para ocorrer entre dez e onze da manhã sofreram atrasos superiores a 15 minutos. A pior situação foi registrada na linha Y, que faz o trajeto entre A e B. Uma alternativa é pegar a linha Z, que vai até C, e depois fazer a baldeação, utilizando o ônibus W”.
A quem pode interessar essa informação? A milhares de pessoas. Mas são essas pessoas que, na visão da CBN e dos demais meios de massa, estão sujando os terminais aéreos da classe A. Perdão, senhores, não vai se repetir. Aí vem o PSDB e estamos todos prontos para voltar à senzala. Desculpem pelos transtornos causados nos anos de alforria.
João Peres é jornalista e colunista do Nota de Rodapé
4 comentários:
genial! entrou pra série "textos que eu gostaria de ter escrito"! parabéns!
Andas inspirado hein. Tb acho um absurdo essa obsessão por aeroportos. E ainda completo a ideia, que a SPTRANS faça com que os painéis nos corredores funcionem direito informando os ônibus e o tempo que vão demorar!!!!!
Ainda lembro de como a grande mídia relacionou o acidente no aeroporto de congonhas a chamada "crise aérea" sendo que o acidente nada que tinha que ver com o clima e aeroportos de pista curta.
João, e o que dizer do programa CBN São Paulo, com o Milton Jung? Você acha que ele trata, exclusivamente, de questões endereçadas à classe-média?
Acho o exemplo que você usou para ilustrar seu ponto perfeito, mas, por favor, nem tanto ao céu, nem tanto à terra.
Abraço
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