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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Código Florestal e a Casa que segue a serviço dos coronéis

O Congresso viveu uma de suas noites mais lamentáveis na votação do Código Florestal, o que serve para colocar a nu os equívocos petistas na formação de sua base. Parabéns, coronéis, vocês venceram outra vez. O PT está no Planalto, mas o poder é de vocês

A aprovação do Código Florestal na Câmara dos Deputados evidencia, como poucas vezes nestes oito anos e meio, os equívocos na formação da base de apoio ao governo federal. A tão propalada ideia de que Dilma Rousseff tem a maior base aliada da história democrática mostrou-se completamente inútil na noite de terça-feira.

Os partidos conservadores coroaram a trajetória de pressões sobre o Palácio do Planalto ignorando absolutamente todos os apelos enviados pela presidenta, o que evidenciou que a coalizão de forças governistas no Congresso poderia tranquilamente integrar a base de um governo do PSDB - e nem mesmo o PCdoB seria exceção à regra.

Não satisfeitos em aprovar o retrógrado Código Florestal de Aldo Rebelo, os parlamentares aprovaram a Emenda 164, do PMDB, que dá aos estados o poder de definir sobre o uso de Áreas de Preservação Permanente (APPs) já desmatadas. Após semanas sem conseguir avançar e vislumbrando a derrota, o Palácio do Planalto havia liberado a votação do Código Florestal, mas em hipótese alguma queria aceitar a aprovação da emenda, que ocorreu no mais flagrante desrespeito às orientações governistas.

Para saber mais:

Forjada com base na liberação de emendas parlamentares e na proximidade com a órbita de governo, ou seja, no fisiologismo, a base aliada ora vista no Congresso serve para aprovar conservadorismos, mas é descartável para quem almeja transformar o Brasil. Enquanto for essa a sustentação de Dilma, é difícil imaginar discussões profundas e sérias sobre regulação da comunicação, aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, veto definitivo à escravidão agrária e reforma da estrutura fundiária brasileira.

Mais que a aprovação do Código Florestal, a postura da imensa maioria dos partidos governistas em plenário será de lamentável memória num futuro não tão distante. Integrantes de PMDB, PSB, PCdoB, PP, PSC, PR, PDT, PPS, DEM e PSDB pareciam torcedores fanáticos ao aprovar uma lei que favorece os próprios interesses e que surra uma das bandeiras históricas do berço petista, a agricultura familiar. Urros, aplausos, gritos e uma euforia quase nunca vista no Legislativo deram o tom de uma Casa que segue a serviço dos coronéis. Um terço dos parlamentares, tanto na Câmara quanto no Senado, são diretamente ligados ao agronegócio, o que faz pensar se 30% da sociedade brasileira é de latifundiários – ao que sei, não.

Sob a falácia da produtividade e da necessidade de produzir alimentos, atropelaram qualquer orientação vinda do Planalto. O líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves, fez um discurso assustador cheio de mensagens nas entrelinhas para Dilma. Aldo Rebelo chegou ao ápice de sua conversão ruralista ao interpelar em plenário o líder do governo, Cândido Vaccarezza, que por sinal teve atuação desastrosa ao ameaçar a base aliada em discurso na tribuna. Rebelo, por sinal, passa a ser uma figura de triste memória. Escondido sob a bandeira do nacionalismo e munido dos mais frágeis argumentos, aceitou de bom grado o papel de porta-voz do arcaísmo.

Há duas semanas, tentou enganar o governo com a troca de palavras que não haviam sido acordadas. Nos últimos dias, negociou por baixo dos panos a apresentação da Emenda 164, que constava do texto original apresentado a ele para a Câmara, novamente ignorando o que havia conversado com o Planalto.
Como defendeu Frei Betto nos livros “A mosca azul” e “Calendário do poder”, o PT chegou ao governo. Chegar ao poder é algo bem diferente. A opção pela governabilidade levou a alianças com o que há de mais arcaico na sociedade brasileira. A aprovação do Código Florestal mostra que as elites agrárias, até hoje relutantes em aceitar que continuam escravizando, têm muito mais poder que o PT, a essa altura uma das poucas forças progressistas – ainda que de forma diluída – de uma base tão ampla. Junto a eles caminham as elites urbanas e o conservadorismo religioso.

Se o PT quiser apenas ser governo, pode continuar aliado a esses representantes do Brasil do século XIX. Se, no entanto, almejar fazer transformações profundas, vai precisar encontrar uma maneira de se livrar, gradativamente, dessas amarras. No atual momento, parece irreversível a opção pelo primeiro caminho. Ou seja, teremos um governo com um pé no atraso. O Brasil não alijará do poder suas mais anacrônicas estruturas.

João Peres é jornalista e colunista do Nota de Rodapé

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