existiu, respondo que também não tenho provas de que
Lisboa tenha alguma vez existido, ou eu que escrevo,
ou qualquer coisa onde quer que seja.
Fernando Pessoa
Em 1944, Eva Duarte, a Evita, foi apresentada ao general Juan Domingo Péron, então vice-presidente da Argentina, em um evento beneficente. Encantada por aquele homem, ela lhe apertou a mão e lhe disse: “General, gracias por existir.”
A frase é perfeita porque, além de linda, representa muito bem a história do país. É tão perfeita que anos depois os peronistas a usaram em passeatas, pintada em cartazes. Ela também passou a figurar em um museu sobre a história do general argentino. Foi quando Tomás Eloy Martinez decidiu lhes contar que a frase nunca tinha sido dita.
Ou melhor, fora dita por sua Eva Duarte no livro escrito por ele (A novela de Perón), mas era uma criação. A resposta vinda do museu foi demolidora: “E o senhor quem crê que é para tentar negar a veracidade de tamanho feito histórico?”
Gabriel Garcia Márquez também “recontou” a história de seu país. O “Massacre dos Bananeros”, ocorrida em 1928, em Ciénaga, na Colômbia, está magistralmente narrado em Cem Anos de Solidão.
Quando escrevia o livro, Gabo (que vivia no México) mandou uma carta ao irmão Jaime pedindo que ele fosse atrás de dados e lhe fizesse um relato de como foi o levante dos trabalhadores e a violenta repressão das Forças Armadas. O irmão enviou o informe e destacou que em relação ao número de vítimas o mais provável é que foram algumas dezenas.
A veracidade do relato de Gabo do massacre é tão irrefutável que hoje ninguém duvida que os mortos foram mais de três mil (inclusive os livros de história trazem essa cifra).
Escritores como Gabo e Eloy Martinez têm a capacidade de criar realidades e seres humanos muitos mais críveis do que a chamada vida real.
Quem em sã consciência duvida da existência de Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro? É mais provável que Fernando Pessoa não tenha existido do que algum desses seus heterônimos.
E Blimunda, aquela incrível mulher que José Saramago nos apresentou em Memorial do Convento; alguém duvida de que é absolutamente real?
“Essa senhora se fez a si mesma. Surgiu com uma força tal que a partir de certo momento eu me limitei a acompanha-la”, contou certa vez Saramago, que seguramente acabou se apaixonando por ela.
Ricardo Viel, jornalista, colunista do Purgatório e do NR, escreve às segundas, direto de Salamanca, Espanha.
Um comentário:
Pois é... Criam-se personagens que passam a ter vida própria, literalmente existirem. Mas não é bem disso que quero falar. É sobre um blog despretencioso que assino e não tenho coragem de divulgar. Aliás, até parei de escrever. Falo sobre o universo afetivo das mulheres idosas e meu receio é de que vivi as "mirabolâncias" que invento. Se posto para meus contatos, logo, logo, pensam que é autobiográfico.
Mas é como no poema de Gilberto Gil, "Na lata do poeta tudonada cabe".
Aliás, to me lixando para a opinião alheia. Gosto mesmo é de parir estes textos que me entalam na garganta.
www.vovozinhapirigueti.blogspot.com
Metáfora
Gilberto Gil
Uma lata existe para conter algo
Mas quando o poeta diz: "Lata"
Pode estar querendo dizer o incontível
Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz: "Meta"
Pode estar querendo dizer o inatingível
Por isso, não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudonada cabe
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha caber
O incabível
Deixe a meta do poeta, não discuta
Deixe a sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfora
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