Lembro-me do incômodo de ver tantas armas em volta, mas também de podermos sair de um jantar, por volta da uma da manhã, e caminharmos ilesos por vários quarteirões até o hotel, encantados com aquela tranquilidade artificial, mas muito boa.
Ali naquela conferência, vi um telefone celular pela primeira vez na vida. Era um tijolo preto, exclusivo dos chefões e responsáveis pela segurança, cuja bateria durava uma hora e levava a noite toda carregando. Também ali tive a minha estreia no uso de um computador portátil, propriedade de uma chefona gringa importada direto de Nova York. Era uma geringonça gorda e pesada, que certamente havia custado uma fortuna. Eu, que havia recentemente vendido um carro pra comprar meu primeiro PC, nem imaginava o preço daquele “laptop”, palavra que recém entrava na nossa vida.
Um dia lá, ela me pediu algumas tarefas no hotel e me indicou que usasse o laptop. Eu precisava ir pro Riocentro, então ela me orientou a levar o dito cujo comigo, pra ir adiantando o trabalho, porque ela chegaria lá mais tarde. Tomei um táxi com minha colega de equipe, as duas mortas de preocupação com o tesouro que levávamos acomodado no porta-malas, junto com umas caixas de material impresso.
Chegando lá, descemos a bagagem, pagamos o táxi e ele foi embora. Quando ele já havia tomado distância, nos demos conta de que o pior havia acontecido. Tínhamos deixado o precioso laptop no porta-malas!
Como assim? Começou a bater um desespero, nós duas querendo cortar os pulsos ali mesmo. Como não tínhamos outra solução, entramos e fomos trabalhar, enquanto discutíamos como dar a notícia à chefona. Concluímos que o único jeito era dizer pra ela exatamente o que havia acontecido, e seja o que deus quiser. Podíamos sentir a faca de açougueiro arrancando nossos jovens couros.
Foram umas três horas de total desalento, nós duas acabrunhadas e desconsoladas. Quando finalmente ela chegou, estávamos com o discurso ensaiado e as caras de cão sem dono prontas. Ela entrou na sala e, antes que pudéssemos dizer qualquer coisa, foi nos contando que estava totalmente desentendida do que havia acontecido. Que achava que tínhamos levado o laptop, mas que ele lhe havia sido entregue por um funcionário do hotel, porque aparentemente o havíamos deixado na recepção, mas como ela nos havia dito pra levá-lo conosco, não estava entendendo nada.
Custou um pouco pra decifrarmos o que tinha acontecido. O bendito taxista anônimo havia encontrado a maleta e, como se lembrava de ter-nos apanhado à porta daquele hotel, voltou lá e a devolveu. E como ela trazia uma etiqueta com o nome da dona, voilá!
Você pode imaginar o nosso alívio? Depois que conseguimos conter nossa euforia, contamos a ela como tinha sido e como nossas peles haviam sido preservadas. Ela ficou surpresa com a nossa sinceridade, embora um pouco decepcionada com nosso descuido, enquanto nós só conseguíamos estar felizes e agradecidas por aqueles dois desconhecidos, nossos heróis do Rio 92.
Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR.
6 comentários:
HAHAHAHAHA! Isso é que é MUITA sorte.
Abraços,
Carlos
Sorte mesmo! De vez em quando a gente fica sabendo de uns casos assim, de pessoas que devolvem equipamentos, dinheiro, documentos. Almas honestas que fazem com que a gente acredite que o ser humano vale a pena. Saudade docê.
bj, Myriam
Ótima!
Alô roteiristas de plantão. Isto dá, no mínimo, um "curta"... Não?
Orlando
E quem estava junto com Você está se deliciando com a lembrança... Do outro lado do mundo! Adg
QUE SUFOCO.MAMMA MIA ! MAS VALE A LIÇÃO:AINDA HÁ MUITA GENTE HONESTA NESSE NOSSO BRASIL ! SERIA
BEM MAIS SAUDÁVEL PARA NOSSA PÁTRIA AMADA ,IDOLATRADA ,SALVE!SALVE SE NOSSA MÍDIA DESSE DIVULGAÇÃO A ESSE TIPO DE COMPORTAMENTO DA GENTE SÉRIA QUE NOS CERCA. ASSIM, NÃO TERÍAMOS QUE DESLIGAR AS MÁQUINAS DE FAZER DOIDO QUE ESPALHAM AOS QUATRO VENTOS, AOS BERROS, A VIOLÊNCIA CRESCENTE.
PARABÉNS ! CONTINUE COM SEUS ESCRITOS TAO PRECIOSOS E DE EXCELENTE QUALIDADE.
BEIJOS DA MUMMY DIRCIM
Cês tão vendo? Tenho testemunha!!
Júnia
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