Incrédulo diante de tamanho descaso para com as convenções gastronômicas, parei e encarei ostensivamente o sujeito, que aparentemente nem se deu conta. Era um baixote atarracado, flácido e suado, o que me alimentava a vontade de aplicar-lhe um tabefe ao pé da orelha. Claro que não fiz nada, nem sequer lhe cutuquei o ombro reclamando, e o almoço transcorreu burocrático e insosso como sempre.
Mas o fato é que tive vontade. Principalmente porque senti minha masculinidade, meus direitos, meu espaço vital sendo conspurcados pela pressa do gordinho. Diante de sua rotunda circunferência eu poderia me acalmar pensando que era gula, algum desequilíbrio hormonal, compulsão alimentar. Mas não creio que tenha sido fome o motivo do homenzinho ter se prestado a tão desprezível papel social. Ele queria ganhar tempo, isso sim.
Queria pesar logo o prato, ir logo pra mesa, comer logo, pagar logo, voltar logo pro trabalho, pegar logo o carro, ir logo pra casa, tomar banho logo, jantar logo, trepar logo na mulher, gozar logo, dormir logo, acordar logo, tomar café logo, ir logo pro trabalho no dia seguinte, sair pra almoçar logo...
E a pressa dele, de certa forma, se refletia em mim. Porque no fim era esse o código desrespeitado. Ao me ultrapassar na fila do quilo ele me ofendia com cidadão porque tinha me roubado instantes preciosos.
Agora, revendo meu semi-embate pequeno burguês, penso aqui comigo: o que afinal faria eu com esses instantes? E o sujeitinho? Haverá desfrutado deles de alguma maneira sábia? Tenho dificuldade em acreditar. Acho que o gordinho não está percebendo, assim como eu não estou, assim como você provavelmente não está, caro leitor apressado.
Aposto que você, neste momento, mesmo se distraindo numa hora de marasmo do expediente, mesmo tendo escolhido mergulhar neste texto por conta própria e sem deveres maiores está lendo apressado, querendo chegar logo ao final, ansioso pra terminar e ver se alguém postou alguma merda nova no Face, ou se aquele email que mudará sua vida finalmente aterrissou na caixa de entrada (calma, fica comigo mais um pouco que ele não chegou).
E o pior é que deve ser assim com todo mundo. A gente pode ter um emprego bom onde trabalha pouco e ganha suficientemente bem, uma mulher gata e gostosa que nos leva pra jantar de graça, amigos interessantes que sempre aprontam novas maluquices divertidas, mas nunca será suficiente. Estamos sempre insatisfeitos e ansiosos, querendo mais amigos, mais dinheiro, mais mulheres, de preferência todas as mulheres, ao menos todas as gatas e gostosas (às leitoras me desculpo e sugiro que invertam o sexo de suas posses).
O problema, caro leitor apressado, é que a vida é isso. A vida é o restaurante por quilo. É um texto de pseudo-auto-ajuda (auto-atrapalha?) pescado na internet. E será gasta ao lado da mulher que você tem, uma só – ao menos uma de cada vez, a não ser que você seja ator pornô.
E fica aqui o aviso. Ao contrário do que ocorrerá após a leitura desse texto, não vai ser possível dar uma conferida no mural do Face quando sua vida finalmente chegar ao fim.
Tomás Chiaverini é autor do romance Avesso (Global), e dos livros reportagem Cama de Cimento e Festa Infinita (ambos pela Ediouro). Mantém a coluna mensal Abelha na Orelha.
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