Não que ele já não tivesse feito muitos shows sozinho, participado de dezenas de projetos independentemente de suas bandas (entre elas, Jumbo Elektro e Zeroum) e distribuído algumas de suas composições para que outras vozes as interpretassem. Mas esse ano Tatá entrou em estúdio para gravar seu primeiro disco solo, “Tatá Aeroplano”, e o resultado, mais uma vez, é marcante.
Escrevo aqui sobre Tatá não só pelo disco, mas porque sempre admirei sua mente em ebulição e sua efervescência aeroplânica – uma criatividade que mostra (junto a diversos outros artistas, claro) como é besteira esse papo de que música boa era a que se fazia antigamente.
Esses dias perguntei para o Tatá quantas dezenas de músicas ele já compôs. A resposta: cerca de 1.500. Boa parte delas estão gravadas nas pilhas de fitas cassete guardadas em sua casa.
Desse modo, para quem acompanha a cena musical independente no Brasil, parece até estranho que o compositor ainda não tivesse lançado um álbum só seu, dada sua presença tão marcante no nosso meio. Tatá já compôs, gravou ou tocou junto com Tulipa Ruiz, Bárbara Eugênia, Leo Cavalcanti, Vanguart, com a Trupe Chá de Boldo (da qual faço parte), entre vários outros. No caso da Trupe, ajudou a abrir portas, mostrou sua grande generosidade (sem aquele clima de competição que às vezes se vê no meio musical) e pulou ao nosso lado alguns bons carnavais.
No mês passado fez no Sesc Vila Mariana o show de lançamento do novo disco. Levou ao palco a sonoridade um tanto setentista da gravação (digo “um tanto” porque não é algo datado), misturada à uma poesia narrativa, urbana, por vezes íntima e amorosa, por outras violenta e escancarada. Para acompanha-lo no projeto, reuniu um time já entrosado de músicos: Junior Boca e Dustan Gallas (produtores do álbum), Bruno Buarque e Clayton Martin – além das participações de Bárbara Eugênia e Leo Cavalcanti.
Me recordo que pouco tempo atrás a jornalista Lorena Calabria escreveu em seu blog um texto muito interessante sobre o disco da Trupe Chá de Boldo. Disse, sobre a faixa Na Garrafa: “ela fala de desejo usando metáforas. Drogas que se fumam e que se bebem. Sexo implícito. E também escancarado. Nada de mixaria, tem que ser tudo. Todo. Gostoso. Na Garrafa é o contraponto da pureza e recato dos novos compositores.”
Bom, então que também se tire Tatá Aeroplano dessa lista de “novos compositores”! Nas letras: orgia, porrada, absinto, pó, personagens freaks e loucos, nights purpurina. Sem abandonar uma delicadeza e fluidez que sempre marcaram a poesia e a voz de Tatá.
Li em alguns lugares críticas negativas ao CD, dando a classificação “regular” a ele. Me pus a pensar. Primeiro, não vejo porque definir um disco com número de estrelas; algo taxativo e, em geral, burro. Uma resenha deveria ser capaz de falar do disco sem definir, prepotentemente, quantas estrelinhas a obra merece.
Mas não é esse o ponto. Tentei “entender” o que há de “regular” no ótimo disco de Tatá. Talvez o que incomode esses críticos seja justamente o CD ser um “contraponto à pureza e ao recato” da música que predomina, como disse a Lorena Calabria. Talvez o que incomode seja, por exemplo, uma faixa de dez minutos chamada “Par de Tapas que Doeu em Mim”, que não se enquadra no padrão das rádios, nem da “música fofa”, mas que traz uma narrativa intensa com sexo e porrada.
Bem, a mim não incomoda, mas inspira. E muito.
Um dos textos diz que “os dotes vocais de Tatá não ajudam”. Engraçado, a voz de Tatá sempre me intrigou e encantou pela sua peculiaridade e beleza. Mas, claro, há quem não goste de peculiaridade, e prefira o que é padronizado. Imagino que o crítico que escreveu isso também não deva gostar muito das vozes de Bob Dylan ou Jimi Hendrix...
Pra terminar, coloco aqui a letra de uma música que o Gustavo Galo (da Trupe) escreveu para o Tatá, que chegamos a tocar mas ainda não gravamos. Fala um pouco sobre o que é voar nesse aeroplano. O disco está pra download gratuito em www.tataaeroplano.com
hoje
quero a rua cheia
sem mania de passado
hoje
eu quero a alegria
fora de qualquer nostalgia
me atirar
na orgia
no céu azul
lá em cima
em cima
de você
e muito mais
quero voar
de aeroplano
sem plano
amor
de
aterrissar
Ouça o disco online aqui no NR
Marcos Grinspum Ferraz, jornalista e saxofonista da banda Trupe Chá de Boldo mantém a coluna mensal Verbo Sonoro, sobre cultura e música.(Imagens de Maíra Acayaba)
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