Há mais de quinze anos, me dedico a esse ritual de jogar capoeira e reconheço que um dos grandes falseamentos do homem moderno é o desprezo pelo corpo e a hipervalorização do pensamento e da consciência.
O que isso significa? Basta olharmos para os templos da atualidade – as academias – para nos depararmos com legiões de corpos hiperestimulados, num verdadeiro culto à forma física.
A questão a ser discutida aqui, caro leitor, é justamente essa “forma”. Na verdade, não valorizamos o corpo em si, mas sim uma ideia de forma corporal. Um padrão idealizado e imposto por uma cultura que despreza o risco, a vulnerabilidade, o que envelhece e tudo aquilo que nos remete a nossa humanidade.
Como educador físico, eu faria um esforço para convencê-los de que o esporte ocidental – onde incluo as atividades em academias – se caracteriza por um conjunto de técnicas que levarão o praticante a desenvolver capacidades físicas e um corpo quase invencível, forte, flexível, belo, com uma boa postura e um ótimo tônus muscular.
O corpo na capoeira é um corpo que se assumi emocional, pulsional e falível. Já dizia a velha cantiga: “na vida se cai se leva rasteira, quem nunca caiu não é capoeira”.
O problema nessa concepção, na visão de Muniz Sodré, por exemplo, é que ela “mantém a separação entre corpo e espírito, ambos em uma mútua relação agressiva.” Sodré diz ainda que a institucionalização do esporte “termina imbuído do mesmo espírito competitivo vigente nas relações de produção dominantes”.
Como capoeirista afirmo: antes de ser um esporte, a capoeira sempre foi jogo, ou seja, linguagem não conceitual de gestos, imagens e cantos, onde o corpo ganha centralidade. Mas que corpo é esse? Qual é a diferença?
O corpo na capoeira é um corpo que se assume emocional, pulsional e falível. Já dizia a velha cantiga: “na vida se cai, se leva rasteira, quem nunca caiu não é capoeira”.
Um bom capoeira assume o risco como condição primeira de um bom jogo e joga com, nunca contra. Uma das características fundamentais do jogo é o diálogo, expressão corporal simbólica da dor, da alegria, da agressividade, da sensualidade, do ataque, da defesa, do encontro.
Na capoeira não há tempo para a dualidade corpo/mente, nela o movimento se torna pensamento em ação e o pensamento é já uma ação em movimento. Mestre Camisa, do alto de sua sabedoria, brinca: “na capoeira não pode pensar para dar o golpe e nem dar o golpe sem pensar”.
A capoeira pode ser vivenciada como uma forma autêntica de exercício em busca da liberdade, onde os elementos de criatividade artística, o improviso, a surpresa e a malícia são ingredientes fundamentais. É um jogo de desequilíbrio e de desconstrução dos rígidos padrões corporais ocidentais, padrões esses que engessam o corpo em formas vendidas por uma sociedade mercadológica.
Enfim, jogar capoeira pode ser considerado uma ação eminentemente política. Axé!
Alexandre Luzzi, Professor de Educação Física, capoeirista, coordena o espaço Tai Ken, especial para o Nota de Rodapé. Ilustração de Caco Bressane, especial para o texto.
2 comentários:
Lembrei das suas palavras sobre o sentido que os rituais ligados a capoeira dão aqueles que a praticam. Todos esses ritos que englobam a música e seus instrumentos de percursão, o canto, a palma ( que permite a participação de todos na roda ), a dança em sua mais livre forma de expressão corporal e a história cheia de sábios ensinamentos deixados pelos sábios mestres da vida! Isso tudo alimentando ao mesmo tempo o corpo físico e o "corpo" emocional!
Um convite a todos os leitores e admiradores desse grande jogo.
Dia 29/11 às 19h30
Aula especial de Capoeira
Local : Espaço Tai Ken
Rua lincoln Albuquerque 312 - perdizes
Info 29243010
Postar um comentário
Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.