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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Moto contínuo

Das pessoas que moram no meu coração, duas estão grávidas. Esta continuação da vida, que não deixa as misérias humanas dominarem tudo, sempre me comove. Já imaginou o que seria de nós se soubéssemos que não haveria mais bebês, que a vida humana acabaria na nossa geração?

Meus dois filhos nasceram há mais de duas décadas – e, antes que se arme alguma confusão, esses bebês do momento não estão vindo deles. Mesmo não sendo das mais nostálgicas, há anos sinto que a infância dos meus filhos, que, enquanto acontecia, com toda a proverbial intensidade, exigiu de mim o que já se sabe que exige, durou uns cinco minutos. Foi tão rápido, no meio de tanta coisa, e numa idade minha tão borbulhante, que quando eu me dei conta, já havia acabado.

Deixou um gosto de coisa boa, de baião-de-dois bem temperado, com um toque de pimenta malagueta, delícia total. Eles fizeram de mim uma pessoa melhor, com o perdão do clichê. Porque eu sinto que virei gente grande de verdade quando percebi que trazia em algum lugar uma reserva de energia até então desconhecida, essencial para driblar a exaustão completa, frequente na ralação da mãe-que-trabalha-muito-e-viaja. E quando, por causa deles, tive que exercitar intensivamente a superação de limites, a tolerância, a compreensão e o acolhimento. Acompanhava-me alguém muito especial, com quem compartilhei a travessia do oceano desconhecido, durante a qual aquelas crianças viraram adultos.

Espero com comovida expectativa os dois bebês a caminho desse mundão besta, que estamos dando conta de estragar bem, mas que tem música, passarinhos, macarrão e livros. Como não dá pra guardá-los no armário, vamos ter que contar pra eles que, misturadas com a beleza, o afeto e a harmonia, os humanos sabem fazer coisas terríveis. Vamos ajudá-los a absorver as novidades e se ajustar ao programado pra eles, que já é um bocado de coisa, tentando não esquecer que eles poderão fazer aquilo que quiserem com o que estaremos oferecendo. Nessa troca inigualável, que dá sentido ao momento presente, o frescor e a energia deles nos abastecerão para o futuro.



Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR. + Textos da autora.

8 comentários:

Bianca Puglia disse...

Vale começar o dia com lágrimas felizes? Porque se valer, aqui estão elas. Suas palavras são tão confortantes quanto abraço de mãe (ou vovó, neste caso mais específico). Saber que ambos os bebês poderão curtir música, o canto dos passarinhos, o (seu!) macarrão e muitos livros é, definitivamente, confortante para uma mãe de primeira viagem.

Um beijo enorme!

Anônimo disse...

VC CONSEGUIU COLOCAR EM POUCAS PALAVRAS O RESUMO DE UMA VIDA ! SÓ VC MESMA ! SÓ QUE CONVERSAR COM OS NOSSOS PÓSTEROS, TENTANDO PASSAR-LHES A BELEZA E,CERTAMENTE, A CRUEZA DA VIDA É PERDA DE TEMPO. TODO MUNDO ESTÁ MUITO OCUPADO NAS LOUCURAS DO SÉCULO XXI. SÓ QUEREM OUVIR SOBRE O PRESENTE E O FUTURO : O PASSADO PASSOU. UMA PENA.
BEIJOS DA MUMMY DIRCIM

Monica Galvão disse...

Oi Junia! Como não ser tocada por um tema tão forte pra todas as mães?! E a sua escrita é gostosa, fluida. Dá muito prazer ler você!
Para mim,ser mãe me ajudou a descobrir o melhor de mim e, talvez, o pior: capacidade de amar, de desapegar, de superar, de confrontar paradigmas...mas também sentimentos de posse, de autoritarismo, de intransigência, onipotência, culpa...Mas, sem dúvida,confrontar tudo isso tem me feito uma pessoa melhor.
Gd abç!

Fernando Evangelista disse...

Que texto mais lindo...
Adorei, Júnia.

Anônimo disse...

Como avó de primeira viagem agradeço o texto delicado e realista. Tenho certeza que esses bebês poderão curtir muito do que você descreveu e mais, tenho certeza que você estará a postos para entregar para eles este mundão besta melhorado.
Márcia Ester

João disse...

Nada como chegar em casa e ver seu filho ou filha correndo em sua direção com um sorriso no rosto, melhor que isso, só o dia que espontanemente aquela pequena criatura lhe olha nos olhos e diz "Papai, eu te amo!". O mundo passa a ser seu neste exato momento! Vale cada noite de sono perdida, cada dorzinha nas costas, os dias no ps infantil, cada troca de fralda e todas as pequenas brigas com a esposa por causa do rumo da educação das crianças! Muita saúde para essas duas novas crianças!

Liliana Puglia disse...

Júnia querida, que delicia ler esta crônica, lembrei-me do dia que saí do Hospital da Asa Sul, com um embrulhinho delicioso e esperado nos braços. Foi para mim a realização de um sonho. Agora que já sou avó, estes embrulhinhos tornaram muito mais gostosos e esperados e desejados, porque são muito mais curtidos. Você tem todo o tempo para estar com eles, acompanhar o crescimento e viver cada segundo junto deles. É um delicia! E quando falam "Vovó", meu Deus!l O coração parece que vai explodir. hoje sou muito, mas muito mais realizada por poder ver os meus netos crescendo. Agradeço a Deus por esta benção. Um beijo querida e obrigada.

Anônimo disse...

Oi, Júnia,
Realmente eu não poderia deixar de ler este texto maravilhoso (você sabe que ele é a minha cara, não é? Considero os meus papéis de mãe e avó como os mais importantes justamente por isso!). Um beijão e obrigada por mais essa pérola. FF

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