No dia 24 de março, um domingo, a Polícia Militar entrou na Universidade Federal de Santa Catarina, Campus da Trindade, para impedir que algumas pessoas, todas jovens, quase todas pobres, muitas delas crianças, brincassem de pipa.
Quem acionou a Polícia foi a própria segurança do Campus, alegando que o cerol usado em algumas pandorgas ou pipas poderia causar acidentes graves. Para justificar a ação, disseram ainda que alguns jovens, em situações passadas, estavam armados.
Eu estava lá e relato as coisas que vi. E confesso que nunca, na minha vida acadêmica, tinha visto nada igual. Por volta das 15h, a PM e os seguranças da universidade expulsaram o grupo que estava próximo ao CED (Centro de Educação) e depois foram fazer a mesma coisa na Praça da Cidadania.
O argumento da PM: “são vagabundos”. O da segurança do Campus: “eles não têm autorização para brincar”. Depois de tirarem essas pessoas da praça, destruindo e confiscando pipas, bambus e rolos de barbante, como se fossem armas, o grupo seguiu para o estacionamento ao lado do antigo Restaurante Universitário.
Eu fiz algumas fotos, que foram postadas no Facebook, e tentei filmar a truculência da polícia. Vi a PM jogar o carro em cima de crianças de menos de 10 anos e passar por cima dos brinquedos. Continuei filmando até a chegada de um segundo carro da PM, uma S10. Os policiais desceram apontando armas para o grupo.
Nunca pensei que isso pudesse acontecer comigo. Quando este segundo carro chegou, um policial, que estava desde o começo da “operação”, veio pra cima de mim. Recuei, ainda com o celular filmando. Outro PM se aproximou e apontou a arma para a minha cabeça.
O primeiro falou: “pra parede seu merda, vagabundo.” Pensei: “fui preso”. Depois de uma “geral”, fui duramente repreendido pela segurança do Campus. Nesse momento, chegaram uma conhecida e um conhecido e começaram a discutir o assunto.
Então, aparentemente mais calmos, os policiais me pedirem “com gentileza”, sem arma na minha cabeça, mas com a mão na pistola, para que eu apagasse o vídeo do celular. Apaguei. Eles ainda rondaram dentro da UFSC por cerca de meia hora, até dispersar o grupo da brincadeira.
Este texto não é para relatar o terror psicológico ao qual foi submetido um estudante, mas sim para refletir como o Estado e a Universidade lidam com a disputa do povo por um espaço na sociedade.
Parto do princípio que uma das maiores funções de uma universidade pública é cumprir o papel de pensar e construir soluções para os conflitos sociais. Quando chegamos ao ponto da universidade precisar chamar a polícia – órgão que tem apenas a função de reprimir – para mediar esses conflitos, ela expressa sua total falência. Onde deveria ser construído o diálogo, é construída a repressão.
Os setores populares veem a universidade como um local cheio de prédios, nada além disso e com a entrada da polícia no campus, expulsamos quem mais deveria se beneficiar com esse espaço. E, de quebra, perdemos nossa autonomia e liberdade para pensar e resolver os problemas da sociedade.
Pergunto: Qual a posição da Reitoria com relação a isso? Quando a universidade vai sair de sua bolha, subir o morro e abordar os conflitos sociais?
Até quando o único órgão público que chega a essas pessoas será a polícia?
Até quando perderemos nossa autonomia de pensamento e expressão em nome de uma suposta segurança, que mais nos reprime do que nos liberta?
O mais incrível: tudo isso aconteceu durante uma gestão que se diz a mais progressista na história da UFSC. E imagina se não fosse.
*Marino Mondek, estudante de pedagogia, mora em Santa Catarina, especial para o NR
7 comentários:
acho uma das coisas mais bonitas da UFSC a pipaiada do findi. gosto muito de ver a universidade sendo utilizada por gente de fora dela e em dias tão vazios!
I. sim, é perigoso, assim como atravessar qualquer rotula em torno da ufsc. nem por isso há repressão aos motoristas nas rotulas.
II. já vi briga e confusão ali tb., mas nada muito sério. segurança do campos deveria estar preocupada em proteger essas pessoas.
III. PM no exercicio de suas funções nao é um individuo, ele é um representante legal do estado, ele é a cara do estado, uma atitude relevada do policial é uma atitude relevada do estado e em última análise é a permissão pro estado quando se sentir ameaçado fazer o que quiser.
Impressionante!
É de arrepiar!!
Situações como esta estão ficando comuns em todos estados do Brasil. Pois não há espaço para debates nem trocas de opiniões, a repressão preeche cada vez mais o espaço antes de qualquer tipo de argumento. Em Porto Alegre, por exemplo, a passagem - assim como de costume em todo carnaval - subiu para R$3,05 e "protesto" virou sinônimo de guerra.
Eu nunca teria apagado o video, pra que filmar se é so um policial mandar apagar e voce apaga, eu mandaria me espancar, me dar um tiro, ou me liberar pq tava indo postar o video, falaria tambem que se acham que agiram corretamente nao precisam ficar com medo de um video, pois o video mostra a verdade , se acham que o que fizeram sao errados, diante do seu proprio posto de policiais deviam querer a puniçao para aqueles que vao contra a lei, assim como estao querendo punir pessoas soltando pipa que nem contra lei estao indo, isso é hipocrisia, e nunca dpeois de ter um video deletaria a informaçao, nem que custasse a minha vida, idealismo barato de quem está por tras dessa materia;
Ao "Anônimo": cara, não sejamos religiosos fundamentalistas em nome das nossas ideologias. Além disso, idealismo barato e ingênuo é supor que um vídeo fosse salvar a situação.
Para aqueles que estao com "do" experimentem levar para casa e cuidar, pois no passado vi alguns deles ARMADOS brincando e ao mesmo tempo DESTRUINDO alguns blocos da UFSC como o CCB eCA! Acham isso normal entao?
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