por Fernanda Pompeu*
No intervalo de uma semana morreram dois figurões da mídia impressa. Ruy Mesquita, 88 anos, diretor do mais-que-centenário O Estado de S. Paulo, e Roberto Civita, 76 anos, dono do Grupo Abril. Nos últimos tempos, os dois chamavam minha atenção por capitanearem inegáveis declínios.
O primeiro capitão participou da criação do Jornal da Tarde. Depois de circular por quarenta e seis anos, o JT virou arquivo em 31 de outubro de 2012. Nas suas primeiras décadas, o JT se notabilizou pelas inovações gráficas, criatividade nos textos e reportagens. Também foi o jornal de capas memoráveis.
Juntava elegância e modernidade. Era como se estivesse um pouquinho na frente do seu tempo. Mas em algum momento, quando muita gente já não prestava atenção nele, se tornou um diário insignificante. Como deliciosamente dizem os andinos: "Ni chicha, ni limonada." Nas bancas, ele parecia apenas mais um jornaleco a machucar quem conhecia sua história de glória.
Como apaixonada por jornais, sempre respeitei o Ruy Mesquita, porque ele havia investido na aventura Jornal da Tarde. Também recordo que Ruy falou grosso com a censura. Refrescando a memória: os governos militares meteram censores dentro das redações. Uma gente medíocre com tesouras nas mãos.
Já o Roberto Civita sempre me soou mais obscuro. O filho do Victor. Ao contrário do Ruy, ele foi mais empresário do que jornalista. Igual ao seu xará Roberto Marinho (1904-2003) que curtiu a vida como imperador da Globo e pretendeu passar à história como jornalista. Afinal, como sucede com os poetas, jornalista valorizado é jornalista morto.
Voltando no tempo. Em 11 de setembro (ops!) de 1968, a revista Veja (e Leia) foi lançada de forma espetacular. Eu era menina e recordo do panfleto de lançamento sendo jogado de avião (ou talvez de helicóptero) sobre as ruas do centro do Rio. Durante muito tempo, Veja foi sinônimo de Mino Carta e de gente brilhante. Mas ultimamente Roberto Civita fazia questão de associar sua importância à Veja.
Não duvido que ele tenha tido a ideia da revista semanal etc, etc. Ele teve lá seu valor. No entanto nunca li nenhuma matéria, ou notinha, ou o que seja que ele tenha escrito. Ainda acho que quem faz uma publicação – impressa ou digital – é o trabalhador que apura, escreve, revisa, diagrama, ilustra, fotografa, edita.
Mas se o Jornal da Tarde morreu, Veja está terminal. Ela não tem 10% da qualidade e relevância que velhos leitores saborearam, quando foi uma revista importantíssima. Até corajosa nos anos ásperos da ditadura. Seus jornalistas tinham áurea de inteligentes e de compromissados com a liberdade e a democracia.
Tudo isso é finito. O cenário da imprensa está melancólico. É clima de fim de festa, hora que sobram alguns bêbados e muita bagunça para ajeitar. Um tal de juntar caquinhos para quem sabe, um dia, colá-los. Há quem enxergue na crise, oportunidades. Que sei eu? O que sinto é que Roberto e Ruy viram suas criaturas morrerem antes deles.
*fernanda pompeu, webcronista do Yahoo e do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Ilustração de Fernando Carvall, especial para o texto.
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