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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Sobre sentir


por Júnia Puglia  ilustração Fernando Vianna*

Sentir é imprescindível. Cada vez mais acredito nisto. Na vida prática, no vuco-vuco de todo dia, poucas vezes temos a chance de nos conectar com o que sentimos ao fazer isto ou aquilo. E não falo só das emoções fortes, definitivas, mas também daquelas sutis, que se infiltram na música que ouvimos pelo fone conectado ao celular, enquanto o ônibus se arrasta no engarrafamento, no olhar que oferecemos às pessoas que nos cercam, no texto da personagem da telenovela, na maneira como interagimos com chefes e colegas de trabalho, nas notícias que nos chegam e em tantas outras situações que vivemos o tempo todo. Neste estranho mês de junho, em que o ativismo nos tomou de assalto e não nos permitiu a indiferença, sentir se torna ainda mais urgente e necessário. É o que legitima o que fazemos, no fim das contas.

Por uma curiosa ironia, não estou podendo presenciar esses dias efervescentes. Digo ironia porque sei o quanto teria apreciado viver de perto esse período tão especial, que ninguém esperava, e que me pegou em pleno voo para fora do país. Estou acompanhando os acontecimentos como posso, ao mesmo tempo que me conecto com o que rola aqui.

Nesta Buenos Aires que tanto amo, onde a tragédia do tango se faz presente em tudo – até mesmo num recente pronunciamento presidencial, em que a fúria se sobrepôs à cerimônia – vejo-me assistindo um show intitulado “Si no tiene un sentimiento, retírese!”. Nele, a atriz e cantora Rita Cortese, uma diva, que me evoca uma mistura de Angela RoRo com Nana Caymmi, interpreta, no mais profundo sentido do verbo, aqueles tangos e boleros de vida e morte, encharcados de sangue, lágrimas, uísque e fumaça de cigarro. As canções são entremeadas por comentários e frases do tipo “no hay que tocar para deslumbrar, sino para alumbrar”. Sim, há gente que nasceu para sentir desmesuradamente.

Os que sentem desta maneira vivem muito à mercê dos altos e baixos, e nem todo mundo aprecia uma boa montanha russa – embora às vezes ela seja inescapável. Mas, na outra ponta, pessoas que não conseguem entrar em contato com o que sentem estão condenadas a um desperdício de vida. Mais do que as emoções em si, a consciência sobre elas nos define como humanos.

É revolta o que te mobiliza? Indignação? Perplexidade? Vingança? Medo? Solidariedade? Compaixão? Oportunismo? Exasperação? Ódio? Nenhum desses? Algo indefinível? Misturas várias?

Seja lá o que for, sinta. E se não houver um sentimento, busque-o.


*Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sentir -profundezas do abismo ou os píncaros das montanhas ! Distância incomensurável entre os fatos, realidades,ações e reações por que passamos a cada momento. O perfume da flor, o sussurrar do vento, o rir e o chorar, cantar uma antiga canção tudo é sentimento bem como, infelizmente, o ódio, o amargor, a vingança , o coração petrificado , a dureza do ser humano.Sentir pode ser participar de coração aberto de uma causa benemérita como pode ser o mais baixo dos atributos de um ser inflexível, endurecido, pronto a disparar o primeiro tiro.
Sentir é indefinível : simplesmente sente-se.
Beijos da Mummy Dircim

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