por Tomás Chiaverini ilustração Marcelo Martins Ferreira*
O ser humano é um bicho estranho. E não estou falando de um ser humano específico, daquele taxista incrivelmente gordo, da cunhada estrábica, do comentarista de futebol com seu bigode gigante amarelado de nicotina. Estou falando do ser humano arquetípico. Estou falando de Scarlett Johansson.
Pensem na Scarlett, caros leitores desocupados. Pensem na Scarlett nua, vaporosa, saindo do banho ou levantando da sua cama king size numa ensolarada manhã hollywoodiana. Lindo? Pois bem, pensem mais um pouco.
Primeiro há essa pele estranhamente lisa. Scarlett não tem escamas, como os peixes; não tem penas, como os pássaros; e, a despeito de ser um mamífero, quase não tem pelos (isso descontando raspagens e depilações).
E os parcos pelos que Scarlett tem são estranhamente simétricos. Tufos cobrindo parcialmente os órgãos sexuais, embaixo dos braços e, o mais bizarro, um enorme penacho brotando da cabeça, e da cabeça apenas. Um tipo curioso de pelo que não para nunca de crescer e que, apesar de sua aparente inutilidade evolutiva e evidente comicidade estética, ganha especial atenção de Scarlett. Ela devota horas de seu dia a limpar, hidratar, alisar e pentear essa pelagem, facilmente humilhada por qualquer gato doméstico.
Aliás, há quem chame Scarlett de gata, mas, convenhamos... Scarlett sequer tem cauda. Pensem, caros leitores desocupados. Que outro mamífero é miseravelmente desprovido de calda? Pois Scarlett é. Que tristeza. Imaginem a cerimônia do Oscar com belas caldas felpudas e enfeitadas, brotando dos vestidos Versace. E como seriam mais fáceis os primeiros encontros. Scarlett está abanando o rabo, as chances são boas. O rabo da Scarlett está parado, melhor mudar o papo que está dando sono. Espetado para cima, algo está irritando a moça...
Mas Scarlett não tem rabo. Anda por aí com esse racho no meio da bunda. E, por falar em andar, que postura mais esquisita. Em pé, com a barriga e as vísceras à mostra, expostas a qualquer eventual ataque inimigo. E os seios? Duas inexplicavelmente exageradas porções de gordura, atarraxadas bem no alto do tronco, num evidente erro de projeto, que prejudicam sobremaneira o equilíbrio de Scarlett.
Há também os braços e as pernas. Ah, as longas pernas da Scarlett. Mas tão longas? Alguém já viu um bicho com membros tão compridos? E não é que Scarlett vá sair correndo e saltando por aí, nada disso. Tem esses membros longuíssimos e pra que? Cruzar e descruzar as pernas completamente livres de pelos, penas e escamas?
E nas extremidades há os pesinhos e as mãozinhas da Scarlett. Eca. Dedos desproporcionalmente longos e cravejados de rugas. Unhas à mostra, sem qualquer cobertura e, mais uma vez, com pouquíssima utilidade, uma vez que, livre de pêlos, Scarlett raramente se vê acometida de pulgas ou piolhos. Isso sem falar nas veias e nos ossinhos à mostra embaixo da pele fina, qual o intestino de uma lagartixa.
Por fim, há o rosto. E o Woody que me desculpe, mas Scarlett tem o rosto achatado. Ao contrário de praticamente todos os mamíferos, não tem focinho e sim essa boca embutida, rasgada no meio da cara. O nariz teve de ser colocado lá no meio, de qualquer jeito, embaixo dos olhos estupidamente juntos, e ainda por cima arrematados por um tufinho ridículo de pelos.
Ao lado dessa aberração evolutiva, um caso à parte. As orelhas. Sério. Que coisa mais asquerosa! Dois apêndices de pele pelada, enrugada, presos do lado de fora da cabeça, e, pra piorar desprovidos de músculos que os movimentem em busca do som inimigo.
Pois é. Um desastre completo. E agora imaginem, caros leitores, como os bichanos, com toda a sua elegância, seu pelo naturalmente liso e sedoso, sua longa calda sinuosa, sua postura elegante, suas genitálias ocultas, seus membros proporcionais, suas patinhas cobertas e acolchoadas, suas unhas retráteis, seu focinho saliente, e suas ágeis orelhas triangulares deve se ofender quando alguém olha para uma foto da Scarlett e irresponsavelmente sentencia: “que gata”.
*Com a ilustre colaboração do biólogo contrariado Dario Chiaverini.
*Tomás Chiaverini é autor do romance Avesso (Global), e dos livros reportagem Cama de Cimento e Festa Infinita (ambos pela Ediouro). Mantém a coluna mensal Abelha na Orelha. Ilustração de estreia de Marcelo Martins Ferreira, ilustrador, design e músico.
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