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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Outro mundo


por Júnia Puglia ilustração Fernando Vianna*

O trem cata-jeca suíço desliza entre cidadezinhas impecáveis, lagos, montanhas, túneis e vacas. A cada três ou cinco minutos, uma rápida parada, para deixar e pegar passageiros das comunidades rurais. Enquanto isso, minhas impressões sobre esse outro mundo vão se organizando. Passamos por muitos pequenos milharais espalhados, que eu não esperava encontrar aqui, tão longe da América Latina. Aliás, nem as plantações de girassóis, onde se pode comprar as majestosas florzonas colhendo-as pessoalmente e deixando o dinheiro num recipiente, pois não tem ninguém para atender.

Embora o lugar esteja completamente vazio, a mesa redonda que escolhemos num café não está disponível. Daqui a poucos minutos, os trabalhadores das obras próximas (há construções por todo lado) vão chegar para o trago da tarde, e aquele é o canto deles, nos avisa o proprietário, muito compenetrado. Somos trasladadas a outra mesa, com copos, bebidas e duas crianças pequenas.

O passeio nos arredores do grande lago cercado de mata nativa no auge do verde, tão apreciado nesta bela tarde de fim de verão, inclui a passagem por churrasqueiras públicas, onde se ouve música de tudo quanto é lugar, enquanto famílias assam linguiças e espetinhos de carne. A Europa multi-cultural é um fato, apesar dos muitos narizes torcidos. À beira da água, patos e cisnes vêm dar um dedo de prosa com os humanos e encantar as crianças. No meio do mato, um banheiro público numa cabana de madeira dá uma impressão de rusticidade que se desfaz rapidamente. Por dentro, é ultra-moderno, confortável e imaculado.

Subimos a um restaurante panorâmico onde a vista dos lagos e seus ancoradouros lotados, montanhas verdes e pequenos núcleos urbanos dá um susto bom, acompanhado da sensação de ordem estética, como numa pintura acadêmica. Afinal, estamos na Suíça. O grande salão envidraçado está lotado de gente e do ruído das conversas animadas em grandes grupos de velhos, famílias com crianças e amigos, celebrando a tarde ensolarada e o verão, que se despede.

Para esta brasileira convicta, isto aqui parece mesmo um outro mundo, com seu silêncio, sua rigidez e sua competência organizativa, um lugar onde sempre se espera que tudo funcione, com um propósito definido, regularidade e horário. Será que eles realmente acreditam que a vida pode ser assim controlada? Tenho a impressão de que um acontecimento espontâneo pode desconcertá-los de tal forma, que é melhor não. Mas tem seus lugares cheios e barulhentos, felizmente.

* * * * *

*Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.

3 comentários:

Anônimo disse...

Bela descricâo de um mundo diferente,mal conhecido.Sua clareza de expressao leva a gente
a reformular os conceitos desse vasto mundo.Pena que eu nao esteja no trem cata-jeca.
Bjs da Mummy Dircim

Elezer Jr. disse...

Mais uma vez, seu texto captou a realidade à sua volta com precisão. É bem assim como você sugere: neste país abençoado, se acontecer qualquer coisa de esponâneo, imprevisto, inesperado ou não planejado com pelo menos 3 anos de antecedência, o pessoal se assusta.

Sabe aquela coisa de passar na casa de um amigo (ou mesmo parente) só porque deu na telha, sem avisar, e ele ficar feliz com a visita a ponto de fazer um churrasquinho de última hora, convidando mais uma dúzia pra curtir? Esqueça, não acontece.

Para aqueles de nós acostumados com essa informalidade e espontaneidade, é difícil de se acostumar. Vantagens e desvantagens de qualquer país ou cultura; é uma questão só mesmo de se adaptar.

Martina Puglia disse...

Sim, também na minha humilde opinião, a maior parte deles acredita que a vida pode ser assim controlada: afinal, aqui tudo funciona, sempre funcionou e sempre há-de funcionar... O curioso é escutar como eles se deliciam viajando para outros países "desorganizados", na Europa e fora dela, e acham tudo lindo. Quando voltam para casa, para a Suíça, se o trem atrasar 3 minutos é uma tragédia! Compreendi melhor a pontualidade no primeiro inverno aqui - quando o frio chega e você sabe que o trem ou ônibus chega na hora, não precisa ficar esperando no ar gelado - sendo assim a pontualidade é uma questão de conforto. Existem vantagens e desvantagens, mas a diferença cultural incita a reflexão e a troca de ideias - e tem me enriquecido muito e aberto meus horizontes.

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