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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Primavera


por Ricardo Sangiovanni*

 Faz tempo que não falo de amor nesta tribuna. E sendo os escritos de amor campeões de audiência deste blog – e de todos os mais que possam haver – , fica de saída comprovada a proposta anti-populista de minha atuação neste espaço.

Mas é que faz tempo mesmo que não falo de amor, nem aqui nem em conversas de mesa de bar ou de beira de cozinha por aí.

Isso – não fui sempre assim – é de uns anos para cá. Já enchi os ouvidos de muita gente que me quer bem com lamentos angustiados e odes românticas, imprecações veementes e declarações derramadas, e sobretudo com uma porção de teorias sobre ser o amor isso ou aquilo ou aquilo outro.

Aliás, espanando a memória, recordo que esse negócio de amor já amolou muito meu coração nessa vida.

Comecei cedo a me importar com isso, aos nem bem sete anos, com um amor platônico que me consumiu os quatro anos do primário na escola. Era uma coleguinha diante da qual me sentia completamente abestalhado. O máximo que consegui foi que um dia déssemos as mãos – não por investida minha, senão por um sorteio que nos colocou lado a lado em uma caminhada pelo Sete de Setembro, ou era o Dia da Árvore, já não lembro.

Fui salvo de tamanha consumição quando passamos para o ginásio, e a menina mudou de escola. Mas, logo no ano seguinte, arranjei outra musa, que por fim consegui, depois de três anos de tenaz e secreta admiração, namorar por alguns meses. Ela me disse que me amava, e logo depois me deu um mui amoroso fora, e então penei, Deus como sofri, sofri como não gostaria que um dia o filho que ainda não tive sofresse.

Depois experimentei um longo relacionamento com amor meio curto, e uma trinca ou quadra de longos amores com curtos relacionamentos, histórias nas quais ora novamente sofri, ora também fiz sofrer de maneiras que, igualmente, não gostaria que se repetissem. Em comum entre todos, noto agora o fato de terem sempre me consumido as vísceras, em certos casos mesmo tirado-me o ar (não sei como é isso para vocês, mas em mim o amor recusado, reprimido, provoca a sensação real, física mesmo, do sufocamento).

Tudo isso, porém, sem apreço nenhum pela loucura. Quero dizer: nunca achei que o amor devesse ser louco, desmedido, desvairado. Sempre enfrentei tudo fazendo o máximo para que cada confusão passasse logo. Logo cedo, naquelas primeiras experiências, aprendi a repugnar o amor demasiado romântico, e desde então sempre sonhei com uma companhia calma e boa, com quem pudesse estar no máximo de situações com o mínimo de incômodo, de alteração de meu estado natural possível.

Acontece que matutar muito, maturar cedo demais para o amor faz a gente demorar de aprender um negócio essencial para poder viver esse nobre sentimento em paz. É minha opinião, vocês talvez pensem diferente, mas a gente só se apronta para o amor depois que experimenta ser sozinho na vida, depois que se expõe à encruzilhada do Grande Sertão – que é onde aparecem os heróis e os demônios de cada um – , depois que se arrisca a ela e se retorna vivo dela. Porque afinal a pessoa não é o que pensa, não é o que busca, nem é o que quer; a pessoa é o que sobra.

E tendo de mim sobrado algo, bati pé firme de que esse negócio de amor era para ser fácil. Não quero dizer leviano, nem sempiternamente plácido, nem carente de beleza nem de paixão ou musicalidade. Queria que fosse simplesmente bonito e presente, que me fosse espelho ao passo em que me movesse para frente – que fosse, em suma, alegre, íntimo, sonhador e real, e que, no saldo, me trouxesse paz de espírito, porque afinal essa vida já tem coisas demais para consumir a carcaça da gente. Em troca, minha contrapartida seria ficar quieto, calado, deixar de ficar fazendo filosofê e tratar de viver o danado quando ele de novo me aparecesse, para ver se dele aprendia algo.

Deu resultado: não demorou muito e, precisamente hoje, abre-se já a terceira primavera desde que a mulher mais radiante e plena que já tive a sorte de conhecer surgiu em minha vida, com um sorriso branco e uns olhinhos de girassol que amoleceram – jamais amolaram – meu coração.

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*Ricardo Sangiovanni, jornalista, coordena o blog O Purgatório e mantém no NR a coluna Mistério do Planeta. Escreve de Salvador. Ilustração de Aitana Carrasco

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