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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Condição humana


por Júnia Puglia       ilustração Fernando Vianna*

Durante uma recente e longa viagem aérea, um sereníssimo voo diurno, em que não pude perceber nem a mais leve turbulência, a travessia do Atlântico me fez pensar na tragédia de alguns anos atrás, quando um avião foi capturado pela força dos elementos e atirado ao mar.

Havia muita gente dentro dele. Ninguém entrou ali pensando que no meio do caminho encontraria a doce morte inconsciente – como afirmam os especialistas – enquanto o bichão voador despencava lá de cima. Essas mortes foram virtuais para os que ficaram, pois os corpos inertes de seus queridos foram irremediavelmente tragados pela água imensa, na qual aquele enorme avião teve o efeito de uma bola de gude levada pela enxurrada.

Temos muito pouco tempo aqui, é a constatação-clichê que todo mundo faz depois de cada tragédia, e geralmente o gastamos com bobagens, incompreensões, intolerâncias, desamor, desatenção, rotina e banalidades vazias (e longe de mim tirar o valor da banalidade, pois só os realmente insuportáveis aguentam ser inteligentes e profundos o tempo todo).

Com o pouco tempo que temos, proponho que nos dediquemos mais a: pensar, ouvir, cozinhar, coçar os pés, afagar os filhos, jogar conversa fora, olhar as pessoas amadas, ler, rir – principalmente de nós mesmos – viajar, fazer sexo, imprimir as fotos digitais, comer coisas gostosas, cantar e dançar.

Enquanto isso, proponho que nos observemos muito e busquemos em nós mesmos todos os motivos possíveis para ampliar nossa compreensão sobre a condição humana. Não há limitação, pecado, inadequação, fraqueza, esquisitice, maldade ou miséria que não possa ser encontrada em cada um de nós. Temos o privilégio de viver num tempo em que o conhecimento sobre o que significa ser gente nos permite ver as outras pessoas com uma afinidade e um respeito, pelo que nos iguala e nos difere, impossíveis há apenas uma geração. Tudo ao contrário também é possível, e muito mais fácil. É só ignorar este conhecimento.

Tudo o que conseguirmos avançar nesta área terá sido crucial para tornar esse nosso mundo um lugar menos inóspito e mais amável. Assim, talvez nosso breve tempo aqui seja melhor vivido.

* * * * *

*Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.

4 comentários:

Anônimo disse...

Que ótimo começo de fim de semana...! Obrigada!
Carol Mendes

Anônimo disse...

Sua proposta é irrecusável,Ju. O mundo está muito doido, muito pesado, pra gente enfrentá-lo a socos. Há que se procurar levezas mesmo.
A ilustração do Fernando está demais. Parabéns aos dois!
Terê

Anônimo disse...

LEVE E PROFUNDO, ESSE COMENTÁRIO DE HOJE NOS LEVA A REFLEXÕES SERIAS SOBRE NOSSA BREVE PASSAGEM PELO PLANETA TERRA. SENTIMENTOS MESQUINHOS, POBREZA DE ESPÍRITO E AS MISÉRIAS QUE OS ACOMPANHAM DEVERIAM SER AFOGADOS NO IMENSO MAR QUE TRAGOU TANTAS VIDAS DE NOSSOS AMIGOS. VAMOS REFLETIR UM POUCO MAIS SOBRE A NOBREZA DOS SENTIMENTOS QUE DESEJAMOS VIVER.
BEIJOS DA MUMMY DIRCIM

Carlos Augusto Medeiros disse...

Tenho vivido uma incansável busca pelo aprimoramento pessoal, traduzido na busca pela evolução moral: como tem sido difícil. Em algum momento dessa trajetória, qualquer ponto de interrupção será compreendido como natural e, até mesmo desejável, como parte de um todo. Até a chegada desse ponto, muito tem que ser aprendido, incluindo a leveza que é antídoto dos insuportáveis. Obrigado pela reflexão. Carlos.

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