por Moriti Neto*
Outubro, além de ser o mês das crianças, pode ganhar outra marca: a de um período em que futebol e autoritarismo evidenciam relações. Casos claros disso há diversos, como o do jogador Diego Costa e a polêmica da preferência por defender a Seleção Espanhola e dizer não à Brasileira.
A absurda insinuação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) de pretender cassar a nacionalidade brasileira do atleta que se naturalizou espanhol foi mais do que estapafúrdia. Essa manobra expõe as opções político-ideológicas de quem dirige o patrimônio histórico-cultural mundial que é o futebol nacional. E não passa só pelos que gerem o negócio, mas também por quem está à beira do gramado.
Desde o movimento de convocar Diego – numa ação maldosa que apenas pretendia enredá-lo no constrangimento público – até a ameaça de ir ao Ministério da Justiça para pedir a cessação da cidadania do rapaz, os traços nefastos e reacionários se escancaram a partir do presidente da CBF, José Maria Marin, ao técnico da seleção, Luiz Felipe Scolari.
É sabido, mas convém lembrar. Marin tem fortes laços com o autoritarismo. Apoiador de primeira hora da ditadura militar, ele teve mandato de vice-governador biônico do Estado de São Paulo (o governador era Paulo Maluf, de 1979 a 1982). O apoio era tão escancarado que, como deputado estadual pelo extinto Arena, partido da “base” do regime autoritário, o atual dirigente da CBF declarava que não apreciava a política editorial da TV Cultura, já que a emissora não destacava as obras inauguradas pelo governo dos generais e, com “teor esquerdista”, noticiava a pobreza da população, o que espalharia “intranquilidade”.
Os argumentos constam em discurso dele, feito na Assembleia Legislativa de São Paulo, 16 dias antes de Vladmir Herzog, então diretor de jornalismo da tevê pública, ser assassinado nas dependências do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do 2º Exército, no dia 24 de outubro de 1975. Exatamente um ano depois da fala que lançou a ferocidade da ditadura de encontro ao jornalista, José Maria Marin, no dia 7 de outubro de 1976, declarava, de novo na Alesp, toda a admiração ao delegado Sérgio Paranhos Fleury.
A postura de deferência ao torturador e assassino que chefiou o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DOPS), bem como a incitação à tomada de “providências” contra Herzog, dizem muito a respeito do que é o futebol profissional no País: um ambiente carcomido e que pouco ou nada avançou na construção política pós-ditadura. Nele, vivem e revivem (caso de Marin, que estava esquecido até assumir a CBF) figuras que caminham de mãos dadas com a truculência e o pensamento ditatorial. O aparato afeito ao abrigo de ideias ultraconservadoras inclui o núcleo esportivo-técnico. O discurso xenófobo, pseudonacionalista e raso também sai da boca de Luiz Felipe Scolari, o Felipão. O treinador não só é dado a bravatas ufanistas como é adepto confesso de ditadores sanguinários.
Voltemos novamente no tempo. Para outro outubro. Dessa vez, de 1998. O técnico dava entrevista à rádio Jovem Pan, de São Paulo, e opinava sobre a ditadura chilena (1973-1990), encabeçada por Augusto Pinochet, um dos mais cruéis tiranos da história mundial. Entre outras pérolas, Felipão afirmou que “Pinochet fez muita coisa boa”. E emendou: “Ele pode ter feito uma ou outra retaliaçãozinha aqui e ali. Há determinados momentos que ou o pessoal se ajeita ou a anarquia toma conta.”
Assim segue o Brasil. Uma democracia imperfeita – bastante imperfeita – que deixou, faz quase 30 anos, de viver, na prática, o regime de exceção, mas onde a sombra da ditadura militar (1964-1985) não cessa de lançar na escuridão debates que poderiam ser legítimos, mas que acabam recheados de argumentos obscurantistas que comprometem a essência das discussões.
Resta esperar outro outubro. Quem sabe, na próxima repetição do mês, tenhamos notícias sobre futebol, gestão e política com traços de mais justeza. Alguém já pensou em cassar a cidadania de Marin pelos crimes que cometeu e comete contra a sociedade brasileira?
* * * * * * *
*
Moriti Neto, jornalista, repórter e editor-assistente do NR.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.