por Izaías Almada*
Há alguns anos era comum se ouvir de alguns especialistas sobre coisa nenhuma aqui no Brasil que política e futebol não se misturavam. Que nos digam as ditaduras brasileiras e argentinas dos anos 60 e 70, para ficar em dois exemplos próximos e emblemáticos…
Transformado num mercado de negócios dos mais gananciosos e estranhos, onde mafiosos russos, milionários árabes, bancos lavadores de dinheiros, sonegadores de impostos, empresários inescrupulosos, alguns já vivendo em paraísos fiscais, jornalistas corruptos, celebridades de pés de barro, emissoras de televisão, empreiteiros, advogados de porta de cadeia, lobistas e políticos profissionais de duvidosa formação moral deitam e rolam, o futebol tem cada vez mais a ver com política e poder.
O ano que vem está aí para desmentir os “especialistas” de antanho. Copa do Mundo e eleições majoritárias no país, agora com “nova oposição” (rs, rs, rs…) vão dar o que falar e embaralhar cada vez mais a cabeça dos sociólogos, filósofos, historiadores, políticos profissionais com alguma decência, esportistas, eleitores, torcedores, jornalistas, manifestantes de rua, humoristas, blogueiros e comentaristas de blogues, Datenas e Ratinhos, CQCs, partidos de esquerda, de centro e de direita, deputados e senadores, associações médicas, ativistas e black blocs, motoristas de taxi, atrizes globais, garis e petroleiros, encanadores e banqueiros, filósofos, príncipes e poetas, classe média paulista, carnavalescos, corretores de imóveis, baristas, passeadores e protetores de cães, nessa imensa salada russa, onde todos falam e ninguém ouve ninguém…
Por falar em especialistas e nos lembrarmos acima da relação futebol e política durante as ditaduras brasileira e argentina, tenho tentado ler algumas das análises feitas sobre o nosso último mês de junho, chamado o mês do “clamor das ruas”, onde muita gente quis e quer acreditar que o país, necessitado de mudanças, foi para as ruas protestar “contra tudo que está aí”… Embora não se saiba exatamente que “tudo” é esse que se tem que ser contra e nem quem organizou as “manifestações espontâneas” de junho, se foi a esquerda radical e mal (in)formada ou a direita encurralada e que pretende botar as manguinhas de fora em 2014, o certo é que o resultado dos “grandes protestos de junho”, para além do recuo no preço das passagens de ônibus urbanos, foi mesmo o vandalismo das depredações, dos ônibus queimados, da interrupção do trânsito até à invasão de laboratórios para salvar cachorrinhos do “choque elétrico”. Tudo salpicado pela eterna repressão de uma polícia que não aprende a combater distúrbios no Brasil, além da pancadaria generalizada…
Fico me perguntando, ingênuo que sou em política, por qual razão passou a se cobrar do atual governo (entenda-se o período Lula/Dilma) que ele resolva em “24 horas” graves mazelas que se formaram, adensaram e proliferaram nos últimos 500 anos? Mazelas sociais e gravíssimos problemas praticados em todos os níveis pelos governos anteriores a esse, em maior ou menor escala, consoante obediência às instruções e determinações do FMI, do Banco Mundial e da Casa Branca com seu manual de “democracia do cassetete”?
A voz das ruas… A voz das ruas… De tanto ouvir a expressão “para lá e para cá”, como dizia uma tia minha – esta especialista em massas de pães de queijo e bolos de fubá – a sonoridade lembrou-me das avós das ruas e das praças de Buenos Aires. Um movimento feito com o coração sangrando de centenas e centenas de mães e avós que perderam seus parentes queridos num dos mais impiedosos e selvagens genocídios do mundo contemporâneo. Mães e depois avós, avós da Plaza de Mayo, protesto inesquecível do coração ferido da América Latina. E que já levou generais e ex-presidentes argentinos, torturadores confessos, aos bancos dos réus e até à prisão perpétua. Essas, sim, poderão ser chamadas de “A voz das ruas”. E por aqui? O que têm a dizer as nossas inúmeras Comissões da Verdade?
Contudo, já estamos no limiar de 2014, ano em que o país mostrará ao mundo a verdadeira relação entre política e futebol, com o mês de junho – quem sabe? – se destacando novamente com os grandes protestos que não levam a lugar nenhum, mas que, com toda certeza, tentarão conturbar a paz dos estádios em plena Copa do Mundo…
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Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Mantém no NR a coluna mensal Pensando Alto
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