por Thiago Domenici*
Márcia chegou cedo na academia. Não havia dormido. Abriu a porta com o dia ainda escuro, chuvoso e frio. Deixou a chave na mesa da recepção e reparou em tudo que havia construído até ali. Tinha orgulho da empresária que se tornara.
Naquela manhã, porém, seria diferente. Márcia parecia transtornada. A palidez de seu rosto e a testa molhada de suor denunciava a aceleração do corpo. Márcia, definitivamente, não estava num dia normal.
Deixou a academia por volta das sete horas da noite do dia anterior. Atravessou a rua e foi ao prédio da mãe, que mora em frente. Um apartamento amplo e imponente que impressiona pela grande varanda. Ali, Márcia gostava de fumar um baseado sempre que podia.
Parecia feliz com a sua vida. Falou com a mãe sobre amenidades e tomou banho antes do jantar. Seria servido medalhão de filé mignon ao molho madeira com arroz japonês.
Com a mãe e o marido à mesa, Márcia mastigava sem ânimo. Estava distante. O marido quis saber. Sem resposta. O que aconteceu entre o banho e o jantar?
Quando subiu as escadas para o segundo andar ela chorou. Lembrou de cada detalhe. Ao chorar, murmurou: “como fui capaz?”. Respirou fundo antes de entrar na sala de ginástica principal, repleta de aparelhos dispostos lado a lado com uma imensa janela de pé direito alto.
Tremia. Observou segundos. Chorou ainda mais. Mordeu os lábios, caiu no chão de joelhos. Um grito abafado e dolorido. “nããããooooo!”. Perto dela, um martelo solto. “Como não acreditei?”, indagou.
Lavou o rosto antes de sair. Atravessou a rua decidida a não viver aquela culpa. E não viveu. Não deixou bilhete. Horas antes falou “Eu te amo” ao marido sem vida. “O martelo...”, no entanto, era a prova da inocência. A polícia recolheu os corpos distantes 5 km um do outro. A investigação iria começar. Seria crime passional.
E a cidade continuava igual: fria, chuvosa e escura.
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Thiago Domenici, jornalista, editor e coordenador do NR
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