Terça-feira é dia d’Ogum, camarada. Conheço bem essas coisas. Para cima de mim não cola essa patacoada de terça da grande batalha espiritual contra o mal em sua Igreja. Até entendo, pois é de seu conhecimento que na rua Ogum trabalha, e antes do culto você já entregou o que é dele, assim garante o funcionamento da coisa e posa de milagreiro.
Ogum é sujeito bom. Arrisco a pensar que se diverte com sua conversa mole de quebrar as sete forças do mal, com esse jeito estúpido e nada criativo de tentar manipular os símbolos dele. Estou falando do numeral sete, porque a maldade é por conta de sua cabeça. Mas, tome tento; o cara é bom, porém, quando embravece, saia da frente, porque não sobra cabeça sobre pescoço. A sua já está na mira da espada, abra o olho!
Diferente da mensagem do panfleto entregue nas estações de trem, às 18h (hora de Exu, bem sei e você também sabe) para as pessoas que chegam em casa cansadas e desesperançadas, saiba que o povo dispõe comida, bebida, moedas, luz e flores nas encruzas, porque aqueles são lugares de confluência energética.
Recebida a entrega orientada (é tudo troca), o povo da rua cuida de espalhar no mundo as coisas do mundo e de quem vive no mundo em interação com as forças do universo: O amor/o ódio, a admiração/a inveja, a saúde/a doença, o bem-querer/o mal-querer, a luz/a sombra. Tudo varia na intenção de quem manipula a força.
A estrada aberta pode dar num beco sem saída, numa bifurcação ou em direções múltiplas, depende da mestria e dos destinos espirituais do caminheiro. Os sentidos que se encontram e também se desconectam são o princípio de tudo; a encruza, então, é lugar de principiar as coisas.
Com negócio de cemitério não mexo, mas certamente você tem muita experiência sobre o assunto. Que o digam os concorrentes na caçada ao rebanho que você deve enterrar por lá.
Os trabalhos nas pedreiras, cachoeiras, rios e matas são mobilizadores das forças da natureza.
As pedras nos trazem a noção de resistência, silêncio e a compreensão do quanto somos ínfimos diante da criação.
As raízes, flores e frutos da mata, tudo o que se transforma, apresentam a impermanência do que nasce e morre, os novos estados a cada estação.
Os rios e cachoeiras nos ensinam, água que brota não cessa, cria e recria a vida, nutre segredos tal qual o rio, calmo a nossos olhos, mas polvilhado de redemoinhos e quedas.
O mar nos dá o sentido da travessia, da profundidade de sentimentos, da imensidão de horizontes, das forças maiores que fazem surgir da inconstância das ondas, a serenidade em nós.
Orixá é poesia. É amor. É lamparina acesa na noite dos tempos. É o zelo silencioso pela energia vital e pela harmonia da vida na Terra.
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escritora, Cidinha da Silva mantém a coluna semanal Dublê de Ogum.
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