por Júnia Puglia ilustração Fernando Vianna*
Uma esquina do mundo, que os gaúchos consideram sua casa, onde se toma o mate e se come muita carne, sem culpa.
O Uruguai está na ordem do dia global, graças, principalmente, a José Mujica, o presidente boa praça, que diz o que pensa e age conforme o que pensa e diz. Virou celebridade pela ave rara que é, numa posição na qual o que mais se vê é gente que vende a alma para juntar e encompridar o poder. Mujica se expressa com tanta sinceridade e naturalidade, que chega a soar ingênuo. Talvez por isto seja quase impossível duvidar do que diz. Numa entrevista que deu à TV espanhola, faz alguns meses, falou, entre outras coisas, sobre a necessidade de ser solidário com as mulheres que se veem sozinhas para criar seus filhos. Falou da solidão e do abandono em que muitas delas vivem, com uma simplicidade e uma solidariedade que, independentemente da posição política, não podem ser senão genuínas. Às vezes, nos faz esquecer o homem culto e viajado que é. Com seu jeito, estilo de vida, opiniões e decisões, pôs seu pequeno país no mapa.
Décadas atrás, ouvi alguém dizer que admirava muito o Uruguai, por ter erradicado o analfabetismo nos idos de 1920. Minha hospedeira uruguaia confirma, acrescentando que seu país só chegou a ser esta sociedade culta e avançada porque há quase cem anos oferece ensino laico, gratuito e obrigatório a todas as suas crianças – um óbvio nada óbvio, quando no Brasil patinamos no caminho de reformas educacionais tímidas, e sobre as quais convicções religiosas têm prevalecido de forma constrangedora. Há poucos dias, Mujica abriu um programa de acolhimento de crianças sírias, para repartir o que tem a oferecer. Sempre se pode argumentar que tudo fica mais fácil num país pequeno, mas nem os pequenos chegam a lugar algum sem trabalho, compromisso e visão de longo prazo.
Recentemente, a despenalização do aborto foi confirmada por mais de noventa por cento dos eleitores, numa proposta de revogação da lei de interrupção da gravidez. Quer mais? Mujica comprou a briga e propôs legalizar o uso recreativo da maconha, um primeiro passo absolutamente ousado rumo à desconstrução do narcotráfico e da guerra às drogas, perdida, que já custou incontáveis vidas e quantidades colossais de dinheiro no mundo todo, corroendo as possibilidades de desenvolvimento de países inteiros, sem nem sequer começar a resolver o problema que se propôs abordar, muito ao contrário. Mais uma? Vão trazer para cá prisioneiros de Guantánamo, aqueles que não podem ser libertados porque ninguém os quer.
Aqui se vive em câmera lenta. Nada da correria e da ansiedade a que estamos acostumados. Os uruguaios são cálidos e despojados. Todo mundo se conhece, se encontra e conversa. Atualmente, faz parte do anedotário local a estima e o afeto conquistados pela embaixadora dos Estados Unidos – quem diria? Até mesmo em Montevidéu, ladeada de fio a pavio por uma rambla que acompanha por muitos quilômetros a linha do rio-mar, que se vê por todo lado, nada de gastar longas horas e a paciência no trânsito. Uma esquina simpática, velha conhecida, onde se discute futebol e política, muita política, no melhor sentido, enquanto sopra sem parar um vento que vem dos quatro cantos direto nas orelhas da gente.
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Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto. Emails para esta coluna devem ser enviados a: deumtudocronicas@gmail.com
2 comentários:
As circunstâncias não nos permitem comparar Brasil e Uruguai. Nossas cabeças pensam bem diferente, o que não nos impede de sermos amigos desse povo tranquilo e batalhador.
Bjs da Mummy Dircim
Na lista de países para conhecer.
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